Controlar o que bebem os guardas “não é o mais importante” nas cadeias

Diploma de Francisca van Dunem foi aprovado com apoio do PSD e CDS. PCP e Bloco abstiveram-se, depois de criticarem a oportunidade da medida.

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Enric Vives-Rubio

Da esquerda à direita, a proposta de diploma do Governo para controlar o uso de álcool e drogas por parte dos guardas prisionais recebeu o mesmo tipo de críticas esta sexta-feira no Parlamento: entre a sobrelotação das cadeias e as condições de trabalho destes profissionais, há problemas demasiado graves no sector para se começar a legislá-lo logo por aqui.

Embora tenha visto ser votada favoravelmente na generalidade (com o apoio do PSD e CDS) a proposta de lei que limita o máximo de bebida permitida aos guardas a 0,2 gramas de álcool por litro de sangue, a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, não se livrou de ouvir, quer por parte do Bloco quer por parte do PCP, sinais inequívocos de desaprovação. “Como sabe, há problemas mais prementes”, atirou-lhe o bloquista José Manuel Pureza, para em seguida se lançar na respectiva enumeração: “Escassez de guardas, escalas de trabalho com sobrecarga de esforço, responsabilização por tarefas para as quais os guardas não têm formação, como a distribuição de medicamentos e sobrelotação dos estabelecimentos prisionais”. A governante foi mesmo acusada de falta de responsabilidade, por “não se se preocupar” com as condições de trabalho destes profissionais.

E o PCP não ficou atrás do BE nos reparos. “Esta é a questão mais importante a resolver no sistema prisional?”, interrogou o deputado António Filipe, para logo responder: “Certamente que não”.

“Causa-nos um grande desconforto a apresentação desta proposta de lei. Existem questões muito prementes a resolver no sistema prisional, envolvendo inclusivamente regulamentação de aspectos fundamentais do estatuto dos guardas”, apontou o eleito da bancada comunista. 

Já o socialista Filipe Neto Brandão surgiu em defesa do Governo e considerou que o consumo destas substâncias, além do risco para a saúde e para o cumprimento das funções, é “altamente lesivo da imagem dos guardas prisionais e do próprio Estado”. “Uma reduzida minoria não pode manchar a dignidade constitucional da esmagadora maioria”, defendeu o deputado referindo-se ao pequeno número de profissionais envolvidos em ilícitos no universo dos 4000 guardas prisionais existentes.

Criticas do PSD

E se do lado do PSD as objecções ao diploma foram mais suaves, à direita coube ao CDS lançar mais farpas. “Como é que a medicina do trabalho acompanhará a questão? Como vamos tratar a matéria do ponto de vista preventivo e curativo? É isto que nos preocupa”, declarou Vânia Dias da Silva. Às primeiras perguntas acrescentou mais uma: “Para quando as obras nas cadeias?”.

A Francisca van Dunem não restou senão garantir que tem mais planos para o sector além do controlo das substâncias ilícitas ou alcoólicas que os guardas consomem. Mesmo assim, a aprovação do diploma, que terá agora de ser apreciado na especialidade, ficou a dever-se sobretudo ao PSD e ao CDS, que se juntaram aos socialistas no voto favorável. É que tanto comunistas como bloquistas se abstiveram, o mesmo tendo de resto feito Os Verdes e o PAN.

A ministra defendeu-se falando do concurso que abriu para aumentar o efectivo de guardas com 400 elementos e do trabalho que está a desenvolver com o seu homólogo da Saúde para cuidar da saúde física e mental quer desta classe quer da dos reclusos. Quanto aos testes de controlo da alcoolemia e outras substâncias, anunciou que estavam suspensos pelo ministério - um decisão que já vem do anterior Governo -, até o Parlamento aprovar de forma definitiva o diploma em causa.

Mesmo sem os testes, Francisca Van Dunem realçou que actualmente os guardas podem ser afastados de funções mas “apenas no pressuposto de que poderão eventualmente estar afectados na sua capacidade para o trabalho” por questões de consumo de álcool ou outras substâncias.

Testes aguardavam regulamentação

A proposta do Governo prevê que os guardas prisionais possam passar a ser submetidos a testes e exames médicos se visivelmente apresentarem sintomas deste consumo ou não tenham condições para o desempenho das suas funções. Apesar de essa possibilidade já estar prevista no estatuto do corpo da guarda prisional, ela não foi aplicada nem regulamentada. Tal como no Código da Estrada, a proposta estipula que um guarda prisional está sob influência do álcool se apresentar uma taxa igual ou superior a 0,2 gramas de álcool por litro de sangue.

Mas a lei estende também os testes a situações de rotina, desde que sejam ordenados hierarquicamente pelo director do estabelecimento prisional respectivo, pelos coordenadores do Serviço de Auditoria e Inspecção da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais e pelo próprio director-geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais.

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