Sobre a 260.ª vindima do Douro

Chega o fim do Verão e com ele o início de uma das mais bonitas e antigas tradições portuguesas: as vindimas. Por esta altura, as quintas e socalcos do Douro ganham vida e enchem-se de azáfama no que é a época mais esperada do ano para proprietários, enólogos e trabalhadores.

Este ano decorre a 260.ª vindima do Douro desde que o Marquês de Pombal decidiu criar a primeira região demarcada e regulada do mundo, o Alto Douro Vinhateiro.

Esta região é, como sabemos, a região do famoso vinho do Porto e dos melhores vinhos de mesa do mundo, reconhecidos pela Wine Spectator e outras revistas de renome internacional.

A porta comercial foi aberta pela demanda da Inglaterra no final do século XVII. As guerras quase contínuas entre a Inglaterra e a França levaram o governo de Londres a proibir a importação de vinho francês em 1689.

Os ingleses tiveram, assim, de encontrar outro mercado e o love affair com o vinho do Porto começou. Como forma de preservar o vinho na sua jornada até Inglaterra, o brandy foi adicionado durante a fermentação. O açúcar residual permaneceu no vinho, realçando o sabor com uma doçura que apelou fortemente ao paladar inglês. A demanda pelo vinho do Porto em Inglaterra floresceu e assim se tornou no mais conhecido vinho licoroso do Reino Unido.

Em 2001, ao Alto Douro Vinhateiro foi concedido o estatuto de Património Mundial da UNESCO, confirmando as qualidades excepcionais desta área, a região demarcada mais antiga do mundo.

Há cerca de 450 quintas no Douro, e mais de 40.000 produtores. Muitas destas quintas estão ligadas a séculos de tradição na produção de vinho, passadas de geração em geração.

Uma das figuras mais proeminentes da história da viticultura na região do Douro é, como todos sabemos, Dona Antónia Ferreira, ou Ferreirinha. Uma das personagens mais fascinantes do seu tempo e dotada de uma extraordinária capacidade de liderança. Criou um legado inestimável, tendo fundado várias propriedades vinícolas, como a Quinta do Vale Meão, no Douro Superior, hoje uma das quintas dos Douro Boys, um autodenominado grupo de cinco quintas desta região que produzem vinhos de topo a nível mundial: Quinta do Crasto, Quinta Vale Dona Maria, Niepoort, Quinta do Vallado e Quinta do Vale Meão.

Esta quinta, que em 2014 viu um dos seus vinhos nomeado como o 4.º melhor vinho do mundo (Wine Spectator), é, entre outras, uns dos sobreviventes exemplos no Douro adeptos da tradição e que ainda utiliza processos tradicionais, como a pisa a pé em lagares de pedra. Portugal é, de resto, um dos únicos países do mundo a continuar esta tradição, não por motivos turísticos mas sim pela diferença na qualidade do produto final. Existe, aliás, um factor concordante entre a maioria dos enólogos — a cor e o sabor são marcadamente diferentes na pisa a pé.

Meio de Agosto até ao final de Setembro é o período mais movimentado e mais “caótico” do ano para o Douro. Por esta altura, os socalcos das quintas do Douro estão cheios das gentes da terra. Pessoas vindas de todas as localidades do Douro e do Norte dirigem-se para as quintas para a tão aguardada colheita e pisa das uvas.

As vindimas são, de facto, um verdadeiro marco na etnografia portuguesa. Antigamente eram vistas como um verdadeiro ritual onde participava toda a família, sempre em ambiente de festa ao som das músicas tradicionais e dos ranchos folclóricos. Durante o dia decorria a apanha da uva e, ao anoitecer, as vindimas continuavam nos lagares ondes os homens de calças arregaçadas formavam uma roda e pisavam as uvas ao som do ritmo de cantares tradicionais passados de geração em geração.

Hoje, as vindimas continuam a ter uma forte componente social e de convívio, apesar de, na maioria das quintas, já não ocorrer o ritual de outros tempos.

É uma das mais antigas tradições portuguesas, com raízes nos tempos dos romanos e que felizmente ainda continua a ser preservada. É uma tradição de um enorme valor e única a nível mundial e continua a ser o sustento económico de muitas famílias durienses que dependem das vindimas para a sua sobrevivência.

Será fundamental acarinhar e preservar esta tradição, mas acima de tudo assegurar o futuro da Região Demarcada do Douro, acreditando e investindo nos seus produtores, que continuam a levar, com o seu extraordinário empreendedorismo e sagacidade, a continuidade desta região como, não só a mais antiga, mas também como uma das melhores regiões vitivinícolas do mundo. Arquitecto paisagista

 

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