Esta coisa de fazer trinta anos

Há o caminho em diante: o que ainda queremos fazer e o que ficará por inventar. No meu caso pessoal, a morte não me assusta

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Hoje faço trinta anos, o que já de si é um disparate: quem é que se lembrou de começar a contar as voltas que damos ao sol? Se não houvesse civilização, estas metas mentais e ficções estipuladas que só nos fazem mal à saúde teriam a importância de uma folha de alface deglutida por um lémur. Mas adiante, já que aqui estamos, assumamo-lo: hoje faço trinta anos. Há dois anos e meio, escrevi uma crónica sobre o mesmo assunto, sem saber bem do que falava, mas com uma clarividência retumbante: "Chegar aos trinta é não querer os trinta de mais ninguém, é um inchar peito na esperança de que as balas não nos acertem".

Esta coisa da vida é um paradoxo constante, e chegar aos trinta faz-nos perceber logo isso, à partida: provavelmente, estaremos mais ou menos a meio da jornada. Dentro de trinta anos, estaremos mortos (ou lá perto), há trinta anos éramos um arremedo de gente, um ser que nada faz a não ser assegurar-se de que não morre. (Pensando melhor, não é o continuamos a fazer todos os dias?) E, se trinta anos passaram num instante, também é verdade que são uma carrada de tempo na insignificância da existência.

Só percebemos a magnitude de uma coisa destas quando olhamos para trás. Que orgulhos demos àqueles que nos adoram? Que desilusões entregámos àqueles que agora não podem ver-nos nem pintados de dourado? Quantas vezes nos sentimos uma fraude, quantas vezes nos sentimos uma obra-prima de espécime humano? Trinta anos de vida são, de facto, uma vida — quantas pessoas conhecemos e que não chegaram a esta idade? Tantas mais conheceremos que não viverão por mais trinta anos: seguramente os nossos avós, talvez até os nossos pais.

E depois, claro, há o caminho em diante: o que ainda queremos fazer e o que ficará por inventar. No meu caso pessoal, a morte não me assusta. Não é pela soberba impressão de que o desconhecido escuro e negro me vai engolir que quero fugir da curiosidade encantadora que sempre tive pela morte; ficarei muito desapontado ao perceber que estou a morrer por causa de todas as coisas que planeei e que ficarão por construir.

Mero exemplo: apesar de já estar a publicar o meu terceiro livro (uma coisa incrível que me aconteceu, da qual poderão saber aqui, tenho ideias para mais cinco. E, se essa puta decidir levar-me daqui a bocado, odiá-la-ei por me negar as minhas próprias potencialidades. Nos entretantos, trabalharei em nome da minha imortalidade, enganando-me a mim mesmo — como se fosse possível assegurar que um nome pudesse ficar visível por toda a eternidade. (Não foi o Saramago que disse que "o Universo nunca saberá que Homero escreveu a Ilíada"?) Os nossos trinta significariam muito menos se não fossem comparados aos trinta dos outros.

Aquela nossa paixoneta universitária já está de barrigão, dizem que é menino, o nosso ex-melhor amigo está casado no Dubai, o nosso parceiro de copos — que é feito do nosso parceiro de copos, se nem o Facebook o encontra? —, o engatatão do secundário está amansado e domesticado, graças aos três filhos que fez a uma miúda que está a dever três tostões à beleza, aquele rapaz da primária que andava sempre calado agora anda aí a lançar discos à fartazana, e por aí fora — lá nisso, bendito "feed". E nós, o que andamos nós a fazer? O que diremos de nós mesmos quando fizermos quarenta, cinquenta, sessenta? A verdade é que dependerá sempre de nós o que os outros dirão no momento em que nos atirarem o esqueleto para um caixote de madeira.

Antes de terminar, há que descansar-vos: tenho duas ou três horas de trinta anos e posso dizer-vos que, daqui, de onde estou a escrever, está tudo mais ou menos na mesma. Portanto, nada temam, minhas farturas de espinafre, prossigam com esse espectáculo.

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