Assunção Cristas: uma líder em construção que arrisca teste das urnas em Lisboa

A comunicação política precisa de afinação, assumem os mais fiéis da presidente do CDS-PP, que está há seis meses no cargo. Candidatura à Câmara de Lisboa foi aposta de risco e a fasquia está alta, dentro e fora do partido.

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Assunção Cristas sucedeu a Paulo Portas em Março, no congresso de Gondomar Rui Farinha

Há meses que muitos dirigentes do CDS deixaram de viver com o credo na boca. Era um sobressalto a preparação em cima da hora de um discurso, as decisões no último momento sobre uma visita algures no país, telefonemas pela noite dentro e reuniões intermináveis dos órgãos do partido. Mais organização no funcionamento do CDS é uma das marcas que os mais próximos de Assunção Cristas apontam como positiva nestes seis meses de liderança, depois de 16 anos de Paulo Portas. A apresentação de propostas vale-lhe outro elogio. Falta-lhe, dizem os críticos, a capacidade de conseguir fixar a mensagem junto dos eleitores e saber ouvir o partido. Conseguiu a surpreender com o anúncio de que será candidata a Lisboa, nas autárquicas de 2017, mas o PSD já lhe aponta um erro de timing, considerando ser demasiado cedo para começar a conciliar os dois papéis, o de líder nacional e o de candidata municipal.

Com a pesada herança de ter sucedido a um líder histórico e idolatrado por muitos militantes e dirigentes, Assunção Cristas tem imprimido um estilo diferente de fazer oposição. Não é uma forma consensual, mas, no dia em que assinala seis meses de liderança, os centristas ainda lhe dão o benefício da dúvida. Mesmo os que publicamente têm sido mais críticos. “É uma avaliação mista. Começou bem nos debates quinzenais com o primeiro-ministro e com propostas sobre a natalidade e o envelhecimento activo que são questões identitárias do CDS. Mas tem tido um Verão errático que já critiquei”, afirmou ao PÚBLICO Raul Almeida, ex-deputado. O antigo apoiante de Paulo Portas - e que integrou uma lista alternativa à da direcção ao Conselho Nacional no congresso de Março - referia-se às polémicas que o partido viveu em Agosto com as declarações do deputado Hélder Amaral sobre o MPLA e o convite à ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues para participar na Escola de Quadros do CDS. Raul Almeida sublinha, no entanto, que “há margem para um caminho de correcção” e que “nada está perdido”.

A candidatura de Cristas à Câmara de Lisboa é elogiada pelo que revela de coragem e de disponibilidade de correr riscos. Mas Raul Almeida também lhe coloca a fasquia alta, dizendo que, “com a determinação e ambição de Assunção” e a oposição que o CDS tem feito na capital, é “perfeitamente possível começar a pensar na mais significativa homenagem que se poderá prestar a Nuno Kruz Abecasis”. O timing do anúncio – em antecipação ao PSD – é aplaudido internamente, mas no ex-parceiro de coligação é considerado um erro. Os sociais-democratas, apurou o PÚBLICO, consideram que não vai ser fácil a Assunção Cristas conciliar já os dois papéis, a um ano das eleições autárquicas. E ainda acreditam que Pedro Santana Lopes pode vir a protagonizar uma candidatura. Coligação? Só se for pós-eleitoral, responde o PSD.

No CDS-PP, entre os que estão mais próximos e os que se afastaram da líder, uma das preocupações latentes nestes primeiros seis meses gira em torno da comunicação política. Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente e um dos mais firmes apoiantes de Cristas, elogia o estilo de “fazer oposição pela positiva” através da apresentação de propostas. “Sem cortar com o discurso anterior, soubemos somar outro”, sustenta. Adolfo não o assume, mas aqui reside o que no CDS é considerado um traço distintivo do PSD. O dirigente admite sim, que haja uma dispersão sobre os temas. “Continua a faltar uma melhor comunicação política”, afirma, lembrando, no entanto, que passaram apenas seis meses. Um tempo curto para uma nova líder conseguir fixar mensagens junto dos eleitores.

Essa é a experiência de João Almeida, actual porta-voz, que foi secretário-geral de Paulo Portas quando o ex-ministro regressou à liderança do partido em 2007. “Os primeiros meses foram muito difíceis. Era preciso fixar os temas de agenda e habituarem-se à dinâmica interna. E Assunção Cristas tem disponibilidade para ser ouvida, não tem anticorpos como tinha o Paulo naquela altura”, recorda João Almeida, considerando que estes primeiros meses têm sido “típicos de início de ciclo”, o que é “normal e positivo”.  

Os mais fiéis adivinham melhorias no futuro. “O tempo corre a favor da sua liderança: está melhor do que quando começou”, corrobora Diogo Feio, que coordena o gabinete de estudos e que foi um dos apoiantes de Cristas desde a primeira hora. Este ex-eurodeputado não descura a “criação de factos políticos” – que reconhecem ter sido uma das marcas de Paulo Portas, e que esmoreceu – mas elogia a afirmação desta liderança pela apresentação de propostas no Parlamento: “É um trabalho muito importante e um estilo muito positivo que terá efeito em campanhas eleitorais”.

Com uma transição de liderança serena, Assunção Cristas não escapa a comparações com Paulo Portas. E uma das diferenças que são assinaladas pelos críticos tem a ver com a capacidade de saber ouvir o partido. Há queixas de dirigentes das estruturas nesse sentido. “Ela faz reuniões, mas são uma formalidade, ela não ouve o partido”, queixa-se uma fonte contactada pelo PÚBLICO. Outros apontam a falta de capacidade da equipa que a rodeia para “fazer política”, acusando-a de não "mexer na máquina do partido.”

As críticas são refutadas pelos apoiantes da presidente. “Não concordo com isso de ela não saber ouvir. Ela sabe o que quer, mas se alguém lhe apresentar uma ideia contrária de forma fundamentada ela pondera”, contrapõe Teresa Anjinho, ex-deputada, que ingressou no CDS pela mão de Assunção Cristas. Nuno Magalhães, líder parlamentar, também considera a crítica “injusta” e corrobora a ideia de que a líder ouve as opiniões de quem a rodeia quando está no processo de tomada de decisão.  As reuniões da comissão executiva – o órgão mais restrito – e da comissão política nacional passaram a ter regularidade, o que não acontecia com o anterior líder. “O Paulo ouvia as pessoas de forma mais informal”, recorda Nuno Magalhães.

Nas revistas

Desde o congresso em que foi eleita que Assunção Cristas passou a ter mais visibilidade na chamada imprensa cor-de-rosa e nos programas televisivos matinais. Passou a ser comum aparecer nas reportagens com o marido e os quatro filhos. Esta exposição da família – que com esta regularidade e visibilidade é singular entre os actuais políticos – não conquista entusiasmo e gera até algum desconforto. “Espero é que que os eleitores saibam o que pensa Assunção Cristas e o CDS sobre o país. Se, a par disso, ela quer ter a sua vida exposta é uma decisão pessoal. Eu não o faria”, afirma Raul Almeida. Diogo Feio e Nuno Magalhães remetem essa decisão de expor mediaticamente a família para a própria. Adolfo Mesquita Nunes acrescenta: “Para ela é uma coisa espontânea. Não é fabricada. Respeito isso”.

Às polémicas do Verão somaram-se as dúvidas dos dirigentes sobre se Assunção Cristas deveria avançar para a Câmara Municipal de Lisboa. Isso ficou expresso na última comissão política nacional, na passada quinta-feira. Dois dias depois o anúncio apanhou de surpresa o PSD e o seu partido. Nuno Melo, vice-presidente e que ponderou ser candidato à sucessão de Portas, reagiu pouco tempo depois e para manifestar elevadas expectativas ao dizer estar confiante num “grande resultado” com uma candidatura que é uma “aposta forte e segura” do CDS.

O primeiro teste da líder nas urnas será já no próximo mês, nas eleições regionais dos Açores. Uma disputa difícil para o CDS, já que o quadro político está muito polarizado entre PSD e PS. E há quem não esqueça que Paulo Portas, quando regressou à liderança do partido, iniciou com as eleições dos Açores de 2008 um ciclo de crescimento eleitoral do partido até 2011.

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