Amor eléctrico

Os Eagles of Death Metal terminaram em Lisboa a digressão tragicamente interrompida pelo atentado do Bataclan. Êxtase rock'n'roll.

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ENRIC VIVES-RUBIO
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Mentira, Jesse Hughes, mentira, o povo sabe dançar. “Y'all can't dayayayance/ Watcha need is the Reverend/ To slip ya some boogie”, atirava ele, cantor, guitarrista e imparável frontman, enquanto a banda fazia êxtase rock’n’roll – uma bateria ao melhor jeito comboio desgovernado, guitarra em cima de guitarra num solo contínuo, tudo em excesso. Estávamos na segunda canção do concerto e já Hughes tinha o povo inteiramente do lado dele. Ele administra o boogie em doses generosas, ele promove o amor, ele é o Reverendo do rock’n’roll e isto é uma missa sem redenção, só pecado.

Foi em Lisboa que os Eagles of Death Metal acabaram, no domingo, a Nos Amis Tour, retomando a digressão europeia tragicamente interrompida a 13 de Novembro de 2015 – eles eram a banda que tocava no Bataclan quando a sala de espectáculos de Paris foi atacada por terroristas. Escaparam ilesos, outras 90 pessoas morreram ali, incluindo um elemento do staff do grupo. A banda que se apresentou em Lisboa parece revigorada pela euforia de quem sobreviveu e vê na festa o único antídoto possível para o medo. “Nothing can stop rock’n’roll!”, exultou Jesse Hughes. “We feel so fucking safe here”, confessaria mais tarde.

Todos os olhos do Coliseu estavam postos nele. Dois enormes panos mostravam-no transformado num Uncle Sam provocador, a mensagem reforçada por quatro palavras: “I only want you”. Ele quer o povo, mas não sem antes oferecer-se a si mesmo: entregou beijos às mulheres do balcão lateral; penteou com saliva o bigode, que parece saído de um filme porno dos anos 70; saiu do palco repetidas vezes (apareceu mesmo a tocar guitarra na tribuna, no lado oposto do palco); contou uma história que envolvia uma fada, um guitarrista “meio português”, um clube de strip e cocaína (não foi o único momento de stand-up comedy). Confirmou ser um entertainer raro no rock moderno, alguém que celebra o género rindo-se dos seus próprios clichés.

Durante hora e meia os Eagles of Death Metal foram aos seus quatro álbuns, desde Peace Love Death Metal (2004), quando pareciam ser um delicioso subproduto dos Queens of the Stone Age (Hughes e Josh Homme, líder dos Queens, que não tocou em Lisboa, formam o cérebro criativo dos EODM) até Zipper Down (2015).

I only want you, que abriu o concerto, mostrou-se tão potenciadora da ginga pélvica como quando a ouvimos pela primeira vez em 2004. Complexity, do último disco, é rock’n’roll cujo segredo está num discreto órgão, coisa tão bem feita que nos lembra mil prazeres pop, e Oh girl, com um riff de guitarra esguio e perigoso, com todas as marcas do ausente Homme, pôs o Coliseu a acreditar na salvação mais repetida durante toda a noite, o amor. “You've got to save me, baby”, repete o refrão, que podia ser dos Rolling Stones.

Nem tudo foi folia eléctrica. Save a prayer, original dos Duran Duran, ganhou neura e negrume rock. Mas esses momentos foram excepções, a ressaca inevitável de uma festa sem fim. Voltemos, então, a ela. I want you so hard (boy's bad news) entregou rock com pulsação acelerada, alimentando a libido de um casal na plateia que passou meio concerto aos beijos (Hughes, cujas letras falam de assuntos diversos como miúdas, raparigas e mulheres, aprovaria), nutrindo a vontade de nódoas negras dos adeptos do mosh. O refrão de Whorehoppin' (shit, goddamn) foi cantado por quase todos enquanto as ancas seguiam aquele ritmo primitivo.

Depois do encore, com Jesse Hughes metido num curto casaco vermelho abrilhantado pela palavra “Bowie”, atiraram-se a Moonage daydream, carregando nas guitarras do original. As palavras de Bowie ficam bem na boca de Hughes: “The church of man, love, is such a holy place to be”. 

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