Movimento 5 Estrelas treme no teste da governação de Roma

Dois meses depois de vencer municipais na capital, a presidente Virginia Raggi enfrentou demissões em cascata de cinco dirigentes do seu gabinete.

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Virginia Raggi venceu as municipais com a promessa de limpar a cidade, mas os primeiros meses não foram auspiciosos Tiziana Fabi/AFP

Pouco mais de dois meses depois de ter sido eleita para presidir à câmara de Roma, numa vitória vista como um teste para as aspirações do Movimento 5 Estrelas (M5S) a governar Itália, Virginia Raggi enfrenta a sua primeira grande crise com a demissão, num único dia, de cinco dos principais dirigentes da sua equipa.

A ingovernabilidade de Roma não é novidade. Há décadas que tanto a esquerda como a direita tentam, sem grande sucesso, resolver os problemas crónicos da capital italiana, a começar pelo mau funcionamento do sistema de recolha de lixo e da rede de transportes públicos, deixando-se enredar em infindáveis casos de corrupção – a cidade esteve nove meses sem presidente, depois de o anterior autarca, Ignazio Marino, do Partido Democrático (PD, no Governo) ter sido acusado de uso indevido de fundos públicos.

Mas a crise ganha maior impacto perante as ambições nacionais do movimento fundado pelo humorista Beppe Grillo, que quer provar em Roma e em Turim – a outra cidade que conquistou nas municipais de Junho – que pode ser mais do que uma força de oposição. Raggi, uma advogada de 38 anos, venceu as eleições beneficiando do descontentamento dos eleitores com os falhanços dos antecessores e a promessa de limpar a cidade – tanto do lixo como das infindáveis suspeitas de corrupção, recordou a Reuters.

Só que os primeiros meses não foram auspiciosos: as quezílias entre as diferentes tendências do movimento de esquerda adiaram a formação da equipa de Raggi, que demorou várias semanas a ser anunciada, e algumas das escolhas levantaram um coro de críticas. Em Agosto, com o lixo a acumular-se nas ruas, o PD não perdoou a nomeação para principal responsável ambiental da autarquia de uma antiga consultora do departamento de saneamento da cidade, do qual terá recebido centenas de milhares de euros na última década, recorda o Financial Times.

Nada, no entanto, fazia prever as demissões em cascata desta quinta-feira. Primeiro, foi a chefe de gabinete de Raggi, Carla Raineri, que estava já sob os holofotes da imprensa perante as notícias de que negociara um salário anual bruto de quase 200 mil euros por ano e cuja nomeação foi posta em causa pela agência governamental para a transparência. Pior foi a saída, anunciada na mesma altura, de Marcello Minenna, responsável financeiro da autarquia que tinha por missão controlar as contas da cidade, que têm uma dívida duas vezes superior ao seu orçamento. Minenna, antigo dirigente da entidade que policia a bolsa de valores italiana e um dos nomes mais reputados da equipa de Raggi, não adiantou as razões para a sua demissão, seguida pela do assessor para as empresas participadas, e dos directores das empresas públicas de transportes e de saneamento.

Os jornais italianos atribuem as saídas ao feudo pelo domínio do M5S mas, pelo menos em público, o círculo próximo da presidente denuncia ingerências de lobbies, da imprensa e da oposição para garantir que a prometida renovação fracassa. Para esta sexta-feira foi marcada uma reunião dos dirigentes que restam na equipa, na mesma altura em que Raggi tenta encontrar substitutos para os demissionários.

Estas saídas “lançam uma sombra sinistra sobre a capacidade do M5S para atrair e manter o apoio dos altos quadros da administração”, explicou ao FT Francesco Galietti, da consultora Policy Sonar. Uma lacuna grave para o movimento que, apesar de surgir empatado nas sondagens com o PD, do primeiro-ministro Matteo Renzi, não tem experiência governativa.

E a crise não podia surgir em pior altura para a formação, perante a aproximação do referendo às reformas constitucionais em que o primeiro-ministro italiano joga o seu futuro político e o do Governo. Renzi assegura que se demitirá se sair vencido, uma oportunidade de ouro para o M5S canalizar, tal como nas municipais, os votos dos descontentes, à direita e à esquerda do PD, e forçar a antecipação das legislativas, actualmente previstas para 2018.

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