Governo socialista francês baixou a cabeça a Bruxelas e não combateu o desemprego

Philippe Martinez é secretário-geral da CGT. Depois de a França ter passado o Verão aterrada com os atentados e a discutir o que devem as muçulmanas usar na praia, prepara uma rentrée em força com o início do debate sobre a semana de 32 horas.

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Philippe Martinez veio a Lisboa falar com a CGTP e conhecer a realidade portuguesa e DR

Philippe Martinez, o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) francesa, tem liderado o movimento de contestação ao polémico novo Código do Trabalho, que o Governo de Manuel Valls fez aprovar sem discussão no Parlamento, utilizando o artifício do parágrafo 3 do artigo 49 da Constituição. Este irredutível gaulês, cujo objectivo é continuar a mobilização para que a legislação seja invalidada, veio a Lisboa falar com a CGTP, conhecer a realidade portuguesa, reunir com o primeiro-ministro de um Governo que “começa a dar passos” para mudar as políticas nas quais persistem os governantes socialistas franceses.

Apesar dos grandes protestos sindicais, o Governo aprovou o Código do Trabalho. Agora como o vão combater?
A lei foi adoptada embora a maioria dos franceses, 72%, seja contra ela. Não houve sequer votação no Parlamento: o Governo usou um artigo da Constituição para adoptar a lei, porque não tinha maioria. O nosso objectivo agora é que não chegue a entrar nas empresas, que seja retirada antes disso. Não seria inédito. Já houve leis em França retiradas pelo Presidente da República porque não eram boas, mesmo depois de promulgadas. O que é preciso é mobilizarmo-nos.

E como o vão fazer?
A 15 de Setembro vai haver um dia de acção nacional em várias cidades francesas. Esta lei foi considerada ilegal pela Organização Internacional do Trabalho e pelo organismo das Nações Unidas que trata das questões do trabalho porque, segundo os termos usados por estas organizações internacionais, vai aumentar a precariedade e diminuir as garantias colectivas dos trabalhadores. Por isso, vamos também apresentar pedidos de recurso jurídicos, a nível nacional e internacional, para contestar o Código do Trabalho. Ainda há muito a fazer para impedir a entrada em vigor desta lei. Outra sondagem diz que 56% dos franceses deseja que continue a luta contra o código do trabalho, e o nosso papel é esse.

Com o clima de estigmatização dos muçulmanos, a polémica em torno do burkini, julga que ainda conseguem conquistar espaço para as questões sociais e laborais nos media franceses?
As sondagens dizem que a principal preocupação em França é o desemprego - os números  mais recentes apontam para 9,6%. Os valores reais, contando com as pessoas que têm muito pouca actividade, dizem-nos que há 6,5 milhões de desempregados. Evidentemente, são os políticos, a direita, que tentam desviar o debate para as questões securitárias, religiosas, do receio do estrangeiro, para poderem ser candidatos às presidenciais. Tudo isto acontece num determinado clima - o meu país foi várias vezes atacado por atentados dramáticos. Por isso vemos a polémica do burkini.

Ainda que sejamos contra o burkini, a nossa posição é por uma questão do lugar da mulher na sociedade. Não é um atentado à ordem pública haver alguém na praia que não está vestido ou despido como os outros. Se não, um dia ainda teremos um uniforme obrigatório para tomar banho. Tenta-se distorcer o debate, para fazer medo, dizendo que o problema hoje é isto, e não o que dizem os sindicatos.

Como pensa a CGT ter um papel de peso na campanha para as presidenciais do ano que vem?
Temos de intervir para dizer aos políticos o que queremos que eles façam, e dizer-lhes o que não queremos deles. É preciso que os políticos tornem realidade o que propõem em campanha. Isso causa muita decepção nos eleitores, e é inteiramente culpa dos políticos. Por isso é que o nosso Presidente, François Hollande, tem hoje uma aprovação de 11%: prometeu uma coisa e fez outra.

Qual é o balanço que faz da governação desta maioria socialista?
Antes de mais, fez o contrário do que prometeu. E permitiu a emergência da ala mais liberal do partido, simbolizada pelo primeiro-ministro Manuel Valls e pelo que acaba de se demitir, Emmanuel Macron. Baixaram a cabeça perante as directivas europeias, recusaram o combate ao desemprego, favorecendo o patronato.

Na sua opinião, seria possível que um governo socialista com outros protagonistas pudesse ter resistido às directivas de Bruxelas durante estes últimos anos?
Acho que é possível fazer diferente. Nós fazemos propostas, mas não cabe aos sindicatos governar. Os governantes devem ouvir e fazer escolhas políticas. O Presidente Hollande teve uma frase simpática, a propósito do referendo do “Brexit” no Reino Unido: “É preciso ouvir o povo”. Aqui em Portugal, por exemplo, há um governo que fez promessas e deu alguns passos para desfazer medidas gravosas do anterior.

A CGT tem algum candidato preferido para as presidenciais?
Posso responder-lhe com uma pirueta: já há tantos candidatos que podem fazer uma equipa de futebol. Mas a CGT não está vocacionada para apoiar nenhum candidato. Ela apresenta exigências e, em função das respostas, os trabalhadores não são estúpidos e fazem uma avaliação e escolhem. O risco, lamentavelmente, é que à custa de os políticos tanto prometerem e não cumprirem, os cidadãos deixem de acreditar nas eleições e não vão votar.

Isso é sobretudo um problema dos eleitores de esquerda…
Sim, maioritariamente da esquerda. Com os riscos de que um partido como a Frente Nacional (FN), racista e xenófobo, que não é um partido dos trabalhadores, possa aceder ao poder.

E no entanto há muitos trabalhadores que votam na FN…
Sim, sim. É preciso explicar que se um trabalhador de origem francesa, digamos assim, não tem trabalho, não é por culpa do que não tem a mesma cor de pele, ou a mesma origem. É culpa, muitas vezes, do patrão das grandes empresas que faz despedimentos e não redistribui a riqueza que ganha pelos que ajudaram a criá-la. França é o terceiro país do mundo que mais dividendo distribui aos accioinistas.

Têm algum plano para lutar contra a implantação da FN nas empresas?
Antes de mais é preciso denunciar as ideias que propõem. Dizem sempre que a culpa é dos outros, dos estrangeiros, e estão muitas vezes de acordo com o patronato, embora digam defender os trabalhadores. E depois é preciso fazer propostas: propomos aumentos salariais, estamos de acordo com os nossos camaradas da CGTP [refere-se a declarações anteriores de Arménio Carlos, secretário -geral da CGTP, exigindo o aumento das pensões e dos salários em Portugal], aumentar os salários aumenta as receitas de um país, é bom para a segurança social, para as pensões, para o comércio, para a economia. É também preciso reduzir o tempo de trabalho…

Vão iniciar uma campanha pela redução da semana de trabalho para as 32 horas.
Sim. Há cada vez mais economistas e políticos que propõem a redução da semana a 32 horas.

Mas é uma campanha ainda em contracorrente…
Como costumo dizer, ir no sentido contrário dos grandes patrões é algo que não me perturba. Isso é ir contra a corrente dos que são responsáveis pela situação em que os assalariados europeus se encontram, o desemprego, a miséria. Se for contra a corrente dos trabalhadores, bom, falamos com eles e tentamos convencê-los.

Mencionou a mobilização dos sindicatos a nível europeu. Em que ponto está?
Já o fazemos. O protesto sindical a nível europeu é indispensável. Mas é preciso construí-lo. Para isso é preciso falarmos de coisas concretas. Quanto mais falarmos, mais evitamos as armadilhas.

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