Obrigado, Rui J. Baptista!

O sistema precisa de ser reformado e é importante mostrar que o ambiente é de clivagem e de fricção no seio do ensino superior.

Tem sido recorrente a publicação no PÚBLICO de artigos de opinião a criticar as aspirações do ensino superior politécnico a aceder a um estatuto mais digno e mais compatível com as suas capacidades actuais. O facto de os artigos serem todos assinados por Rui J. Baptista (29-7-2015; 13-8-2015; 11-7-2016; 27-7-2016; 3-8-2016) é completamente irrelevante para os propósitos destas linhas. Todos temos direito a ter o nosso “hobby” e não há lei que proíba que qualquer cidadão possa adoptar como desporto favorito, o “malhar” nos politécnicos através de um jornal diário.

Por isso não se trata aqui de ripostar ou criticar o cidadão Rui J. Baptista, mas antes de agradecer o serviço prestado ao ensino superior e ao país. Além de que é bem melhor sermos criticados do que sermos ignorados, cada artigo publicado ajuda a chamar a atenção para a situação insustentável que se vive no ensino superior em Portugal. Prova dessa insustentabilidade é o facto dos politécnicos de Porto, Coimbra e Lisboa (cerca de 40% do subsistema politécnico) terem decidido abandonar o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos por não se reverem nas posições deste Conselho enquanto interlocutor junto da Tutela. Igualmente relevante foi a recente recusa destes politécnicos em assinar o contrato proposto pela Tutela no passado mês de Julho. Apesar das tentativas do ministro para iludir a opinião pública, acusando os 3 politécnicos de não terem assinado por pretenderem uma redistribuição de verbas, ficou claro que o motivo principal da recusa foi o estatuto de menoridade que o contrato pretende continuar a atribuir ao subsistema politécnico. Os artigos de Rui J. Baptista têm ajudado a perceber que uma das questões por resolver se prende com a atribuição de doutoramentos e com o desenvolvimento da investigação nas instituições politécnicas. Em relação aos doutoramentos vimos a tutela dar o dito por não dito, primeiro referindo que estava disponível para discutir a questão, mas logo a seguir vindo a desmentir que houvesse qualquer intenção de alterar o quadro actual. Em relação à investigação foi criado um programa de investigaçãozinha de vão-de-escada para manter alguns politécnicos entretidos e contentes e, mais importante que tudo, afastados das universidades. Mas porque se hão-de manter espartilhos na aquisição e criação de conhecimento, o bem maior das sociedades, sabendo-se que actualmente há politécnicos com capacidade para dar um contributo muitíssimo maior a este nível que aquilo que lhes é permitido? Dirão os ideólogos do apartheid académico que nesse caso não faz sentido manter um sistema binário a dividir politécnicos e universidades. Pois, se calhar não faz mesmo! O sistema binário não pode nem deve ser um fim em si. Foi uma solução encontrada há mais de 40 anos para alargar a base de recrutamento para o ensino superior, tentando criar uma alternativa ao carácter demasiado elitista e teórico do ensino universitário de então. Actualmente as fronteiras entre os dois sistemas foram-se desvanecendo cá, e em todos os países com um sistema semelhante, e irão continuar a esbater-se por muito que isso custe aos interesses instalados. Existem actualmente todas as condições para que as capacidades das instituições e dos seus docentes possam ser devidamente aproveitadas, sem que tal signifique abandonar o ensino de carácter mais prático. A este respeito existem inúmeros exemplos noutros países. Basta olhar aqui ao lado para o exemplo espanhol, onde não existem dois subsistemas já que as universidades não têm pruridos em ministrar um ensino de carácter prático, a par com outro tipo de formações de carácter académico.

Por isso faço votos para que Rui J. Baptista responda a este artigo e que continue a criticar os politécnicos e os seus dirigentes em artigos futuros. O sistema precisa de ser reformado e é importante mostrar que o ambiente é de clivagem e de fricção no seio do ensino superior. Pelo menos até que surja um ministro com os movimentos menos tolhidos pela inércia, pela cegueira ideológica e pelas pressões corporativistas que continuam a dominar o ensino superior em Portugal.

Professor, Politécnico de Coimbra

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