Burkini: a essencial possibilidade de escolha

Quantas mulheres muçulmanas terão a coragem de escolher não usar o burkini sem serem julgadas, condenadas e castigadas?

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Regis Duvignau/ Reuters

A possibilidade de escolha é essencial. É sinónimo de liberdade. Talvez não seja a questão mais premente ou relevante para muitas fações, ou imprescindível como valor-base para algumas religiões. Talvez a definição do sim e do não, do uso ou do não-uso, do preto e do branco, do permitido e do proibido seja mais relevante. Não deveria ser. Porque o que é fundamental é compreender e esclarecer o motivo das definições, das permissões e proibições, podendo assim aceitar ou discordar destas subvenções de forma informada e consciente.

O debate sobre a proibição do uso do burkini em França é conduzido pelos medos que ainda sentimos no que concerne a questões de género, de raça e de religião. É o medo das areias movediças da moralidade, das atitudes extremistas e mal informadas. Não queremos pagar na mesma moeda e por isso não sabemos como atuar. A proibição do uso do burkini não é uma questão que precisa de ser analisada apenas sobre o prisma da permissão ou proibição da utilização de uma peça de roupa. Porque não é uma peça de roupa, é uma afirmação política, religiosa, ideológica e moral. A reflexão deve debruçar-se sobre o motivo da obrigatoriedade da sua utilização ou proibição, tendo em conta o que o burkini representa.

A moda é um discurso, é uma postura assumida publicamente, é uma afirmação, representa a aceitação ou negação de um conjunto de valores. O uso obrigatório do burkini é, de várias formas, uma castração moral, intelectual e social é um discurso complexo baseado na hipocrisia humana. O problema essencial deste tema é a respeitabilidade, é o livre arbirtrío, a essencialidade da escolha. Deparamo-nos com a complexidade das linhas que separam a liberdade de uns e o fim da de outros. Sentimos a impotência a cravar-se nas nossas existências, a chocante realidade de que as perceções são diferentes, as posturas são opostas e as visões são diversas. Perdem-se as direções da bússola.

Esta não é uma questão que deva ser descurada, pensada com leveza ou desconsiderada. É uma peça de roupa que representa um conjunto de valores. Mas veja-se, se a manifestação de valores não interferir com o direito à vida e a liberdade de seres humanos aceitamos e coexistimo com eles, na maioria das vezes. Até aqui tudo bem, vivemos num "melting pot". A onda de agitação forma-se no momento em que os valores e a manifestação dos mesmos colidem com a vida, a dignidade e a existência de seres humanos. Este é o caso do burkini. É o símbolo de uma crença, de um valor, de uma tradição? É. Mas que esmaga de todas as formas os direitos humanos que são, para muitas sociedades ocidentais, a essencialidade da existência.

Mulheres sem escolha

Quantas mulheres muçulmanas terão a coragem de escolher não usar o burkini sem serem julgadas, condenadas e castigadas? Não existe a possibilidade de escolha. Por outro lado, há mulheres que podem escolher usar ou não o burkini, bikini, fato de banho ou o que bem lhes aprouver. Não há pena de morte, apedrejamentos ou prisões perpétuas. As mulheres muçulmanas não têm escolha. Não existe essa liberdade.

A proibição da utilização do burkini não representa a proibição da utilização do burkini. Falar-se-á na falta de liberdade de religião, de expressão ou de afirmação. Não. A proibição da utilização do burkini representa a indignação pela persistente existência da desigualdade de género, pela falta de justeza moral e ética, pela injustiça que é reprimir-se a opção. O burkini é um símbolo da falta de escolha, da falta de liberdade. Se, por esta mudança se correr o risco de más interpretações, de dúvidas e talvez de extremismos — que não seriam necessários num o mundo que tem os pontos cada vez mais juntos e mesclados — então que assim seja. Do que se perde e do que se ganha, do mal o menos, dêem voz a estas mulheres.

Dêem voz a estas mulheres pelo respeito pelo outro, pelo próximo e pelo que não é próximo; pela liberdade de todos, desde que a de uns não choque com a dos outros. Porque a liberdade de escolha é essencial. Terão que sacrificar alguns sonhos de coexistência e harmonia respeitosa, andar pelo reino das sombras e mexer em dimensões (até agora) intactas para preservar o que deve ser uma das bases de sociedades que se separam e se unem à velocidade da luz: a liberdade de escolha. Enquanto uns vivem com a admirável possibilidade de escolha como pilar essencial da sua vida, outros não compreendem sequer que escolher é uma possibilidade. A proibição do uso do burkini pode ser uma atitude extrema, ou, de várias formas, vista de uma perspetiva parcial. Mas do mal o menos, dêem voz a estas mulheres. A liberdade de escolha é a expressão eternamente mutável da excelência da humanidade.

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