Nuno fala para as paredes do Porto e elas depois falam connosco

Jovem de 35 anos espelhou os seus textos nas ruas da cidade. "As paredes normalmente não têm nada disto e estas falam. Ou eu falo através delas."

Agora quer continuar a oferecer textos às pessoas Rui Farinha/nFactos
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Agora quer continuar a oferecer textos às pessoas Rui Farinha/nFactos
Rui Farinha/nFactos
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Rui Farinha/nFactos

Ele não é escritor, apenas regista as emoções em papel. É da velha guarda, anda sempre com um caderno no bolso, que vai enchendo de palavras — algumas estão nos 25 textos que decidiu espalhar pela cidade do Porto.

“As paredes normalmente não têm nada disto e estas falam. Ou eu falo através delas.” É Nuno Santos quem ouvimos, e lemos, nos textos das “Paredes que falam”, frase que acabou por se colar ao projecto desde que uma leitora de rua assim o baptizou no Facebook. E o jovem de 35 anos gostou e aplicou. “Faz todo o sentido”.

Os 25 textos, organizados em duas séries numeradas, podem ser encontrados no centro do Porto, nas zonas de Cedofeita, Vitória e Massarelos. Alguns já descolaram, outros foram retirados, uns quantos foram rasgados, mas há uns que continuam, resistentes, a repercutir a primeira memória do autor, as reflexões do personagem-alter-ego trapezista, declarações de amor ao Porto, às mulheres e ao próprio amor.

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Textos que cola na rua são excertos do seu diário Rui Farinha/nFactos

Não são anónimos. Biográficos q.b., estão todos assinados com o link para o perfil de Facebook de Nuno. “Tudo aquilo que faço não fica no anonimato”, conta o autor, até porque o confronto com o leitor era algo que procurava. “Queria que as pessoas pudessem chegar a mim, dar ‘feedback’, era importante ter noção se efectivamente há pessoas que gostam daquilo que escrevo, para além dos meus amigos mais próximos.”

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Anda sempre com um caderno no bolso Rui Farinha/nFactos

Postais, cartazes e rifas

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Nuno tem 35 anos e é natural das Caldas da Rainha Rui Farinha/nFactos

Natural das Caldas da Rainha, e “farto” de viver em Lisboa, Nuno mudou-se para ao Porto há 15 anos. Na bagagem, uma mochila apenas. “Foi a melhor decisão que tomei. Apaixonei-me pela cidade, pelas pessoas.” A escrita sempre o acompanhou, mas regressou em força no final do ano passado, quando terminou uma relação longa. De repente, viu-se sem a sua “melhor amiga”, sem ter com quem falar. E a escrita, que sempre funcionara como uma forma de “desabafo”, foi uma maneira de voltar a colocar “as ideias em perspectiva”.

Nuno explica o significado da personagem do trapezista

No fundo, aquilo que hoje vemos nas paredes do Porto são excertos do seu diário que não tem o formato típico, mas é sim um meio de “registar as emoções de um dia”. De quem encontrou, do que sentiu, sozinho em casa, no trabalho no “call center” ou no Aduela taberna-bar, uma espécie de segunda casa. “Sim, já escrevi sobre coisas que se passaram aqui”, confessa Nuno ao P3, entre risos, sentado na esplanada que conhece tão bem.

Quem lhe conhecia os escritos, gabava-lhos; mas queria abrir margem para críticas. Por isso, numa noite de finais de Julho, e "sem pensar muito no assunto", armou-se de cola e das 25 folhas de papel e espalhou-as pela cidade (entretanto, já reforçou a obra com novas cópias). “Possivelmente estou a cometer uma data de crimes e não faço ideia”, diz, sobre este acto de afixar palavras por aí. Assegura que teve cuidado, no entanto, escolhendo locais que não pertubariam a imagem pública, como edifícios abandonados.

Cola textos, onde muitos fazem arte urbana. Gosta desta efemeridade da rua (“As coisas estão vivas, hoje está lá um texto, amanhã um graffiti”), mesmo que a forma nem sempre se adeqúe à função. Não costuma haver texto nas paredes, até porque se "perde" no meio de tanta coisa, mas, por isso mesmo, numa sociedade em que é tudo mais rápido, é “interessante” partilhá-los assim, exigindo às pessoas que parem. Nem sempre resulta. “Tenho a noção que a maior parte das pessoas não leu os maiores . O ‘feedback’ é dos mais curtos. As pessoas olham, identificam-se mas não querem ter trabalho a ler.”

Conseguiu o que pretendia: tem recebido regularmente comentários aos seus textos. Positivos, em geral. Já conheceu pessoas graças a eles, já enviou mais alguns a pedido. “É”, admite Nuno, “muito agradável ter pessoas desconhecidas a dizerem que gostam daquilo que estás a fazer, pois cria outras possibilidades”. Quer continuar a “oferecer textos de forma pouco convencional", também nas paredes de outras zonas do Porto, e não só: postais, cartazes e rifas são outras hipóteses a explorar. Vai apostar futuramente em textos mais pequenos e tentar traduzi-los para inglês. Mas nada de publicar livros. Tal não o seduz. “Quero manter as coisas naturais. Não sou escritor, registo as minhas emoções num papel e acabei por ter alguns textos para partilhar.”

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