Homens que têm sexo com homens: a discriminação não acabou

“Homens que têm sexo com homens”: é esta a designação usada pela Direcção Geral de Saúde para catalogar todos os homens gays e bissexuais. Catalogar não, é mesmo discriminar.

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Nuno Ferreira Santos

No dia 14 de Agosto de 2015 foi libertada uma norma clínica, pelo Ministério da Saúde, na qual existiriam novos critérios para inclusão de dadores de sangue. A questão é: houve alguma mudança? O preconceito face a esta “minoria” acabou ou sequer diminuiu? A resposta é um claro e vergonhoso “Não”. Em pleno 2016, ano de consagração de direitos para a comunidade LGBTQ+, a DGS continua a enfiar a cabeça na areia com recurso a um único “motivo”: o sexo entre homens é um comportamento de alto risco.

Para além de homofóbica e segregadora esta medida é completamente falaciosa no argumento que usa, basta analisarmos os dados que temos ao nosso dispor. Esta população é vista como “de risco” pela forma como surgiu, como começou a ganhar espaço na sociedade contemporânea e pelos pré-conceitos que ainda subsistem. O chamado "ghetto gay" é associado, sobretudo durante o século XX, aos bares ou espaços mais ou menos clandestinos, como saunas, em que homens (quase todos não assumidos) se encontravam para terem encontros ditos amorosos e/ou sexuais com outros homens. Estes espaços surgem em grande parte porque a sociedade (ainda) era mais conservadora e, com medo de represálias, gays e bis partilhavam esses “esconderijos”. O que é certo é que, com o surgimento do VIH/SIDA nos anos 80, essa comunidade sofreu um forte abalo. Havia um desconhecimento do que era o vírus em concreto, mas também das formas como se poderia transmitir e de prevenir essa mesma transmissão. Este espalhou-se rapidamente pelas comunidades gays e ceifou uma quantidade gigantesca de vidas, mas, para além deste horror, acentuou ainda mais dois pré-conceitos que vigoram até os dias de hoje: homens gays e bis são promíscuos e a SIDA é uma doença genericamente dessa população.

Durante todos os anos que passaram até aos dias de hoje, milhares de associações LGBTQ+ debateram-se para destruir estes dogmas e, sobretudo, para ensinar a população (inclusive a heterossexual) a prevenir todas as infecções sexualmente transmissíveis (antes denominadas de dst’s). Hoje a sociedade sabe (e se não sabe é porque não quer) que é possível para um homem, que tenha encontros sexuais com múltiplos parceiros masculinos, ter uma vida sexual completamente segura através dos métodos que existem. Assim como no caso dos indivíduos hétero, em que os casos de troca de parceiro(a) sexual são tão ou mais comuns.

Quanto ao facto da SIDA ser uma doença “dos gays” os números mostram-nos exatamente o oposto. O último estudo a que tive acesso do Serviço Nacional de Saúde (2014) mostra-nos que pela via sexual, dos 920 novos casos detectados nesse ano, 61,3% refere uma transmissão via relação heterossexual. E, mesmo que o fosse e mesmo que esse nicho da população tivesse comportamentos mais promíscuos, qual seria o problema? Todo o sangue doado é analisado antes de qualquer tipo de transfusão, logo, não surge aqui qualquer tipo de perigo para a saúde pública. É, puramente, uma camuflagem de uma forma muito baixa de discriminação.

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