Rio 2016: valeu a pena?

Valeu sim! Esta é provavelmente a resposta que a maioria dos brasileiros, principalmente os cariocas, vão dar quando questionados acerca do desafio de sediar no Rio os Jogos Olímpicos de 2016.

Indiscutivelmente o astral da “Cidade Maravilhosa” se tornou uma grande festa a partir do momento da cerimônia da abertura dos Jogos, realizada no Maracanã, no dia 5 de agosto. Daí para a frente ninguém ficou construindo argumentação racional ou preocupado considerando análises custo-benefício econômico com a organização dos jogos, exceção feita em relação a alguns poucos ativistas sociais, dos eternos e tradicionais maledicentes e mal-humorados.

Desde a abertura a impressão que se tinha é que os brasileiros deixavam para trás meses e meses de sua mais profunda crise econômica e um traumático processo de impeachment, ainda em andamento, para saborear cada momento olímpico até o encerramento. E fizeram tudo isso exatamente da forma que tradicional com que festejam jogos de futebol nos estádios e em frente à televisão: muita paixão e euforia, gritos, fantasias, samba, cerveja e naturalmente vaias ensurdecedoras para qualquer um dos representantes de outros países que se configurasse como adversário.

É importante ressaltar que o brasileiro não tem espírito olímpico no sentido advogado pelo Barão de Coubertin. Na verdade, o brasileiro jamais se interessou pelos esportes clássicos dos Jogos Olímpicos, como atletismo principalmente em suas variantes tradicionais como salto, corrida, maratona, triatlo, pentatlo, etc. Essas modalidades são mais “esportes de quartel”. Isso em parte explica porque quase dois terços das medalhas dos brasileiros foram conquistadas por militares.

Além da paixão pelo futebol – emoção coletiva inigualável que tem seu momento mais elevado quando a Seleção está jogando e que transforma o Brasil na “pátria de chuteiras”, como dizia Nelson Rodrigues, jornalista, teatrólogo e frasista e iconoclasta imbatível – o brasileiro elege de tempos em tempos um esporte como paixão nacional eventual, com destaque para o automobilismo e o vôlei. (O livro de mesmo título e de autoria de Nelson Rodrigues pode ser baixado gratuitamente da internet clicando aqui.)

Entretanto existe uma variante desportiva que emociona particularmente o brasileiro que é o aparecimento de desportistas nascidos pobres ou egressos dos estratos de baixa renda econômica e que conseguem alcançar o sucesso e destaque no plano mundial, seja através dos Jogos Olímpicos ou outra modalidade de competição internacional.

Isso tem promovido no Brasil um viés ideológico de redenção e de superação da pobreza através do esporte. De fato, existe visível consenso, não apenas restritos aos estratos socioeconômicos menos favorecidos, que o esporte, muito mais do que a educação, é que cria boas e mais rápidas oportunidades para a realização.

Neste contexto, o brasileiro se destaca como um defensor ferrenho de programas sociais, apoio da iniciativa privada e políticas públicas de promoção do esporte para superação da pobreza e das desigualdades sociais. É nessa perspectiva que se encaixam o Ministério do Esporte e as Secretarias de Esporte no âmbito dos governos estaduais e municipais, com bem-dotados orçamentos, e cujos cargos são disputadíssimos pelos políticos. Paradoxal situação a dos brasileiros se comparada a do país megacampeão em Olímpiadas, os EUA, o qual não têm um ministério dos esportes.

O Brasil está feliz com suas dezenove medalhas – sete ouros, seis prata e seis bronze – e com isso conquistou sua melhor performance olímpica. Provou sobretudo, através do Rio de Janeiro, que é capaz sim de organizar com êxito, eficiência, segurança e com muita alegria os Jogos Olímpicos tão bem como outras cidades, dentro de um padrão classe mundial e sem perder suas características culturais próprias.

Enfim tanta alegria e o sentimento de realização resultantes da Rio 2016 podem fazer com que o brasileiro recupere mais rapidamente a combalida autoestima e que supere sua recorrente “síndrome do cachorro vira-lata”, diagnosticada nos anos 1950 pelo mesmo Nelson Rodrigues, que dizia que o brasileiro guarda um sentimento crônico de inferioridade em face do resto do mundo.

Mas este cronista acha que valeu sim pois, como pontificou Fernando Pessoa, “tudo vale a pena quanto a alma não é pequena. ”

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