Jogos Olímpicos e seu legado para Rio, Londres e Barcelona

Para sediar os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres –  depois de já tê-lo feito anteriormente nos anos de 1908 e 1948 – os ingleses liderados então pelo prefeito de Londres, Ken Livingstone, decidiram apostar em um novo conceito para o desafio da construção de nova infraestrutura física necessária para o evento – principalmente estádios, arenas, ginásios e a vila olímpica para acomodação dos atletas. 

Essa aposta consistiu em escolher como principal sítio de construção dos equipamentos olímpicos uma área tida como das mais degradadas e decadentes da Grande Londres. Assim foi feita a escolha por Lower Lea Valley, área que ainda guardava até mesmo profundas cicatrizes e marcas de poluição do solo dos primórdios da Revolução Industrial. Foi por essa razão que internamente os ingleses passaram a chamar aqueles os “Jogos Olímpicos da Regeneração”.

A aposta mostrou-se vantajosa tanto em termos de legado da pós-realização dos Jogos para o conjunto dos residentes permanentes de Londres e também em termos de menores investimento público pelo fato de concentrar-se em área mais barata. As autoridades londrinas dessa forma se livraram da especulação imobiliária indevida e depois dos Jogos a região se tornou o Parque Olímpico Rainha Elizabeth.

Diferentemente de Londres, o Rio de Janeiro optou por fazer a Olimpíada de 2016 espalhada pela cidade e diferentemente, de Londres, optou por colocar o principal sítio Olímpico em uma área remota em um vazio urbanístico, o que foi particularmente apreciado por um conhecido megaespeculador imobiliário e alguns empreiteiros.  Na verdade, os cariocas se inspiraram originalmente na visão estratégica com a qual Barcelona montou a infraestrutura para sediar o evento em 1992.

O patrono desta concepção – até onde sei foi ele o primeiro carioca a falar em que o Rio deveria candidatar-se para sediar os Jogos Olímpicos – foi em 1993 o então recém empossado secretário municipal de urbanismo do Rio, o arquiteto Luiz Paulo Conde.

Conde era um arquiteto reconhecido nacionalmente e muito bem quisto pelos seus colegas, tendo sido inclusive presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Foi Conde o principal líder a advogar a favor de uma política de regeneração urbana do Rio como um dos pilares para reverter a decadência do Rio iniciada com a perda do status de capital federal para Brasília em 1960.

Conde era filho de espanhóis e passava sempre férias na Catalunha, tendo acompanhado de perto como Barcelona soube tão bem usar a preparação da cidade para os Jogos Olímpicos para reverter a decadência que foi duramente imposta pelo regime franquista aos catalães. Foi em Barcelona que ele viu acontecer na prática um dos mais rápidos e bem-sucedidos processos macro urbano de regeneração e, neste contexto, como Conde gostava de dizer, Madri teve que pagar caro pela infraestrutura que serviria não apenas para os Jogos, mas como um legado de compensação para a capital da pátria catalã.

Conde realizou projetos estratégicos de regeneração e requalificação urbana tanto na cidade formal, através do projeto Rio Cidade, quanto nas favelas, através do projeto Favela Bairro. A envergadura destes projetos – o Rio Cidade regenerou mais de vinte áreas, enquanto o Favela Bairro teve impacto positivo em mais de cem favelas. Essas iniciativas no Rio serviram como um laboratório de qualificação para uma geração de arquitetos não apenas cariocas, mas também de outros países. Ainda hoje existem arquitetos urbanistas que vieram de outros países hispânicos e latino americanos que terminaram por fixar residência no Rio e a exportar essa expertise para outras cidades no Brasil. 

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O saldo positivo para a cidade resultou em recompensa política para Conde, que foi eleito prefeito no ano de 1996. No ano seguinte sob a batuta do Conde o Rio apresentou-se pela primeira vez em sua história como candidato para sediar a Olimpíada de 2004, entretanto quem levou foi Atenas. Mas a ideia de regeneração considerando como prioridade requalificar o Centro do Rio, sobretudo tendo como prioridade a antiga área portuária criou raízes e foi tomando corpo.

Mesmo assim a ideia de sediar os Jogos Olímpicos como alavanca de regeneração do Rio, de uma forma ou outra sempre, esteve presente na cabeça dos sucessivos prefeitos e líderes empresariais do Rio de Janeiro.

As condições, entretanto, só amadureceram no ano de 2008, no auge da Era Lula, quando o Brasil impulsionado pelo super ciclo das commodities (produtos primários) demandados principalmente pela China, contava com um extraordinário vento de popa, conseguiu finalmente ser escolhido pelo Comitê Olímpico Internacional para sediar o megaevento do ano de 2016.

Os anos de 2008 e 2009 foram anos de euforia coletiva no Brasil. A economia que aparentemente era conduzida corretamente pelo governo, dava sinais de que não seria afetada pela crise econômica mundial iniciada em 2008. Pelo contrário. Psicologicamente, o brasileiro seguia feliz e seguro, entupido de propaganda estatal e privada centrada na expectativa não apenas da realização das Jogos de 2016 Olimpíadas, mas também na da Copa de 2014.

Eduardo Paes, o prefeito do Rio desde a escolha para sediar os Jogos de 2016, apostou alto na solução Barcelona entendendo que poderíamos sonhar alto com planos de resolver no atacado problemas de infraestrutura urbana do Rio com o álibi de sediar as Olimpíadas. Tinha para isso todo o apoio do Lula e do governador do Rio, também de seu partido e o imaginário dos brasileiros embriagados de euforia pelos megaeventos. Ninguém era contra naquela época.

Foi assim que o Rio embarcou em uma proposta de criar quatro centros olímpicos, os quais demandariam adicionalmente um grande investimento em infraestrutura de mobilidade, incluindo linha nova de metro e vias expressas de custo elevadíssimo. A conta do Rio seria rateada com o Brasil inteiro. E ela veio muito mais alta do que se imaginava e em um péssimo momento. Ninguém imaginava que as coisas pudessem dar tão errado. Aliás essas são palavras de Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Organizador Local, que disse “Ninguém imaginava [a situação atual]. Ninguém. Senão, não dariam os Jogos para o Rio. ”

Olhando retrospectivamente pode ser dito que foram tomadas decisões que foram corretas, mas existem aquelas que hoje examinamos e que não se sustentam como decisões acima de qualquer suspeita. Hoje no contexto que o Brasil vive, em que estão sendo expostas dia após dia pela Operação Lava Jato as escabrosas conexões criminosas entre empreiteiros, empresários e políticos, é difícil não enxergar com desconfiança e pensar que muitas das decisões de obras públicas foram tomadas mais para beneficiar o esquema criminoso do que o interesse público.

Entre essas decisões ficava sob suspeita o Parque Olímpico na Barra da Tijuca o que justificou a duplicação de uma via elevada costeando quilômetros de praia e uma linha nova de metrô a um custo obsceno, obras injustificáveis do ponto de vista de sua eficiência urbanística. Esse investimento público foi no final das contas um roubo cívico, beneficiando algo como 300 mil habitantes, recursos preciosos que fariam sentido no restante da cidade que de fato necessita de infraestrutura metroviária e na qual vivem os restantes 6 milhões de cariocas. 

De qualquer maneira, pelo menos uma compensação restará ao carioca após as Olimpíadas a arrancada vigorosa do processo de regeneração do centro da cidade e da área portuária. O Centro foi duramente castigado inclusive pela construção de um monstruoso elevado chamado de Perimetral. Esse monstrengo viário foi por quase trinta anos como uma espécie de corte entre o outrora vibrante centro do Rio em seu encontro com o mar. Em Lisboa seria como construir um elevado rasgando desde a Estação Santa Apolônia até Belém, paralelo ao Tejo, sepultando em seu percurso lugares como o Terreiro do Paço, o Cais do Sodré, etc.  

Essa regeneração se torna visível no caminho que pode ser feito a pé e inteiramente à beira mar entre a Praça Mauá e a Praça XV, que agora hospeda ao longo de sua extensão 27 centros culturais, que vão desde adoráveis museus em antigos edifícios renovados, como o Museu de Arte do Rio (MAR), ou novos, como o Museu do Amanhã, projetado por Calatrava. É nesta via que se encontra a pira olímpica.

Esse maravilhoso caminho entregue agora nos Jogos de 2016 se chama com Orla Conde e vai servir de lugar para celebrar a vida às futuras gerações de cariocas e visitantes. O antigo prefeito não pode viver para ver implementado aquilo que ele enxergou antes de todos. Ele morreu no ano passado. Mas ele merece certamente essa homenagem. Este certamente será o melhor e mais duradouro dos legados dos Jogos Olímpicos nesta cidade.

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