Acordos à esquerda quase cumpridos. Vem aí discussão sobre impostos

Grande parte das medidas que fazem parte dos acordos à esquerda estão cumpridas ou estão em negociação nos grupos de trabalho. OE2017 fechará quase tudo. O que sobra? PCP vinca que acordo é para cumprir na íntegra. BE antevê caminho exigente.

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O acordo entre o PS, BE, PCP e PEV foram assinados em Novembro DR

A lista de vistos nos acordos das esquerdas já vai a mais de dois terços do rol de medidas. Mas sobram muitas, e importantes, para a discussão que agora começa entre os partidos que apoiam o Governo sobre o Orçamento do Estado (OE) de 2017. A mexida nos escalões de IRS é das mais pesadas orçamentalmente e das politicamente mais relevantes. Há mais. O PCP já fez saber que não desiste do aumento dos salários dos funcionários públicos e António Costa já lhe disse que não.

O exercício que os quatro partidos vão fazer, sobretudo quando regressarem de férias, vai colocar vários dossiers quentes em cima da mesa, e com a certeza que na sua grande maioria os acordos já foram cumpridos. Das 68 medidas (de duas delas não é possível aferir a situação), 34 estão concretizadas, 13 estão em execução, nove vão ser debatidas nas reuniões preparatórias do Orçamento ou estão a ser estudadas nos grupos de trabalho e dez não saíram do papel, o que não significa que não venham a ser aplicadas.

Quando começarem as negociações para a elaboração do Orçamento do Estado do ano que vem, António Costa leva na pasta uma lista de medidas que já cumpriu com PCP, BE e PEV. A quantidade dá-lhe o trunfo para o debate e tem dado o mote de cada vez que diz que “palavra dada é palavra honrada”. E abre também um vazio. Os acordos assinados são para uma legislatura e, ao final do primeiro ano, sobra o compromisso político e poucas medidas. Mas os três partidos têm mais exigências para ir acrescentando.

O PCP exige, para já, que o acordo seja cumprido na íntegra. Tudo o que o transcender é para discutir na negociação do Orçamento. Ao PÚBLICO, o partido responde que não deixa de ter em atenção o que já foi feito, contudo, diz que há ainda mais para fazer: "Valorizando o já concretizado, a situação do país e a resposta a problemas e aspirações dos trabalhadores e do povo exigem que se dê plena concretização à posição conjunta subscrita entre PS e PCP, e uma efectiva inversão do caminho de declínio e retrocesso imposto pelo anterior Governo". E acrescenta: "É com esse objectivo, e baseado no seu compromisso com os trabalhadores, o povo e o país, que o PCP procederá ao exame comum do Orçamento do Estado de 2017".

Os comunistas preferiram não responder se a concretização obtida é ou não um trunfo para o primeiro-ministro.

Também contactado pelo PÚBLICO, o BE enviou uma nota na qual recorda que afirmou "desde o primeiro momento que a razão do acordo de maioria" foi "o compromisso para a recuperação de rendimentos". Sem a convergência estabelecida em torno desse objectivo, sublinha o BE, "nunca teria sido possível, por exemplo, aumentar o salário mínimo, garantir a atribuição automática da tarifa social ou repor as 35 horas de trabalho na função pública. Certamente não é tudo o que o país precisa, mas é muito para quem tem pouco", acrescenta o Bloco, terminando com uma ideia sobre o futuro próximo: "Sabemos que o caminho que temos pela frente é exigente, como sempre foi, mas sabemos também que a exigência é condição determinante para fazer esse caminho".

O que falta

Os acordos centraram-se sobretudo nas áreas do trabalho, Segurança Social e impostos e é por isso que, mesmo muito já tendo sido cumprido, é nestas áreas que falta concretizar algumas medidas importantes. Na área dos impostos, a mais relevante é a revisão dos escalões do IRS. Com a eliminação da sobretaxa (que está em curso e só terminará em 2017), António Costa já tem uma medida de devolução de rendimentos aos contribuintes para mostrar no próximo ano. O fim da sobretaxa é uma gota de água perto do impacto financeiro que pode ter uma revisão dos escalões de IRS.

A medida consta do programa do PS, do programa de Governo e do Programa de Estabilidade (PE) entregue em Bruxelas em Maio. Não é, no entanto, certo que avance em 2017. No PE, o Governo assegura que o aumento da progressividade do IRS terá de acontecer "pela reanálise dos efeitos provocados pela redução do número de escalões, que se traduziu na aplicação de taxas marginais muito elevadas a níveis de rendimento relativamente baixos". Tudo garantido a "neutralidade fiscal".

Esta será uma das medidas em que os partidos da esquerda se vão bater para que avance rapidamente, na senda da devolução de rendimentos. No que toca a medidas para os trabalhadores, a que tem de ser negociada todos os anos é o aumento do salário mínimo nacional. O primeiro aumento já foi feito, mas partidos e sindicatos querem mais. A intenção que consta do programa do Governo é de alcançar os 600 euros em 2019, passando no próximo ano para os 557 euros e em 2018 para os 580, tem depois de ser avaliada em concertação social.

Os pacotes de medidas da área da Segurança Social e Trabalho são dos mais volumosos. Ainda não foi feita a avaliação das reduções da Taxa Social Única, nem o alargamento das fontes de financiamento da Segurança Social e estão em estudo ou negociação outras medidas. O combate aos falsos recibos verdes, ao "recurso abusivo de estágios" e à utilização do contrato emprego/inserção para substituição de trabalhadores está a ser estudado pelo grupo de trabalho para a elaboração de um Plano Nacional Contra a Precariedade. Para o caso específico de trabalhadores no Estado, há um grupo específico para fazer o levantamento dessas situações.

Há outras medidas, no entanto, que já estão a avançar. É o caso do combate à evasão contributiva na Segurança Social ou do descongelamento das pensões. Apesar do apelo ao aumento das pensões, a medida que ficou inscrita nos acordos foi apenas o fim da suspensão, que foi das primeiras a serem decididas pelo Governo. 

Outro ponto forte das posições conjuntas são as exigências que se prendem com a função pública. Nos documentos assinados pelos três partidos com António Costa, ficou o compromisso de acabar com o regime de requalificação/mobilidade especial. Esta é uma das medidas em negociação. Ficou prometido pelo executivo que entrará em vigor até ao final do ano, mas não será ainda o fim do regime de requalificação, será apenas uma alteração ao sistema.

Ficou ainda por fazer o reforço da negociação colectiva. O Governo vai avançar ainda este ano com as regras da negociação colectiva. Em Julho, durante a apresentação do Relatório Anual sobre a Evolução da Negociação Colectiva em 2015, o ministro do Trabalho e Segurança Social garantiu que o ministério está a promover uma revisão do Livro Verde das Relações Laborais de 2006 e que será com base nesse documento que se vai iniciar a discussão em Outubro na concertação social.

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