A mulher que apelou ao voto com um poema

Margarida Sousa Uva esteve na militância de extrema-esquerda com Durão Barroso, casaram-se na Sé de Lisboa e apelou ao voto de forma singular num comício, em 2002, em Tondela, citando um poema de Alexandre O'Neill.

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Margarida de Sousa Uva esteve sempre na rectaguarda do marido Luís Ramos
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Ao lado do marido, na cimeira do G8 em 2007 CHRIS WATTIE/REUTERS
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Em 2002, à saída da missa onde Margarida Sousa Uva foi cumprir uma promessa PÚBLICO (Arquivo)
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Em 2008 na chegada ao Japão para a cimeira do G8 KAZUHIRO NOGI/AFP
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Em Moscovo, ladeada por Putin e Barroso, em 2005 DENIS SINYAKOV/AFP
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Na chegada ao casamento da filha do então primeiro-ministro espanhol Jose Maria Aznar, em 2002 SERGIO PEREZ/Reuters
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Em 2003, num jantar do PSD, ao lado do marido MIGUEL SILVA (ARQUIVO)
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Com a família no Palácio de Belém, durante o mandato de Cavaco Silva na Presidência da República Luís Filipe Catarino/Presidência da República
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Em 2005, em Glasgow, Escócia CHRIS YOUNG/Reuters

Margarida Sousa Uva, 60 anos, mulher de José Manuel Durão Barroso, morreu esta quinta-feira devido a cancro, depois de um combate de anos contra a doença oncológica. Licenciada em Letras, foi num comício no gimnodesportivo de Tondela, em Março de 2002, que Margarida subiu ao palco e disse porque votava no seu marido: “De certa maneira foi ingrata a maneira de estar aqui a vender o meu peixe, mas o Zé Manel, se fosse peixe, era um cherne.”

A comparação remete para um poema de Alexandre O´Neill – Sigamos o cherne – que refere a história de um peixe que segue um sonho. “Eu acredito que o sonho só é verdadeiramente sonho quando é grande e é por essa tua imensa capacidade de sonhar e de sonhar com um Portugal próspero, mais justo e mais respeitado pelos nossos parceiros europeus, que eu também vou votar em ti no dia 17 de Março”, disse num registo pessoal e de manifesto pouco comum na política portuguesa.

“Confesso que isto de me compararem com um peixe só podia vir da minha mulher”, comentou Durão Barroso. Segundo as crónicas jornalísticas daquela campanha que levou Durão a primeiro-ministro, o então líder do PSD recitou um poema que lhe foi passado por um dos presentes: “Mulher, dizem que é feio pecar/ mas só não pecam os santos/ para mim, pecado/é fechar os olhos aos teus encantos.”

Foi em 1975, em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso), o denominado “Verão Quente” após o 25 de Abril, que Margarida e Durão Barroso se conheceram. Na pequena distância entre a Faculdade de Direito e a de Letras, na Alameda da Universidade de Lisboa. E na militância, ainda mais estreita, da extrema-esquerda que, naquele tempo, pintava paredes e se multiplicava em siglas: a Federação de Estudantes Marxistas-Leninistas criada pelo MRPP onde Barroso se destacou com o cognome de “Veiga”.

Por coincidência, é no dia de aniversário de Margarida – 25 de Novembro – que Durão Barroso, jovem de cabelos longos, chapéu castanho-claro de aba larga e calças à boca- -de-sino conhece o apogeu da sua militância, sendo eleito presidente da Associação Académica. No mesmo dia em que o PREC é derrotado militarmente pelo Grupo dos Nove liderado por Melo Antunes.

O casal une-se, em 1980, numa cerimónia tradicional na emblemática Sé de Lisboa. Margarida Sousa Uva era neta do almirante Joaquim Sousa Uva, chefe do Estado-Maior da Armada entre 1960 e 1963, no início da guerra colonial com Salazar no poder. Já Barroso teve avós republicanos e monárquicos.

 O casal teve três filhos, Luís, Guilherme e Francisco. “Graças à minha mulher, que abdicou de uma carreira para fazer dos filhos a sua causa, é possível estabelecer uma relação saudável [em família].” A frase de José Manuel Durão Barroso é de uma entrevista à revista Gente numa reportagem em família no Verão de 1999 na praia de Moledo. Sugere a existência de uma retaguarda deliberada para a sua trajectória.

Para efeitos do papel couchée, assim convinha. A foto daquele veraneio no Minho procura essa intenção. Durão à frente, entre dois filhos, atrás Margarida e o terceiro. “Tu és um grande pai de família”, foi o primeiro elogio que, três anos depois, Margarida Sousa Uva dirigiu ao marido num dos últimos comícios da campanha de 2002.

“Tive o privilégio de conhecer a Guida, de ter convivido com ela, de ser seu amigo nos últimos 30 anos”, disse ao PÚBLICO José Luís Arnaut, ministro adjunto de Durão Barroso no XV Governo Constitucional. “Era uma mulher de grande discrição, mas que tinha uma força interior enorme, era de uma sinceridade em tudo o que fazia e nas suas próprias convicções.”

Arnaut, que actualmente é membro do conselho de administração do conselho consultivo internacional do banco Goldman Sachs – entidade de cujo conselho de administração Barroso é presidente –, destaca o papel de Margarida Sousa Uva “nas diversas fases” da carreira do marido: “Estava sempre presente com todas as atenções e era de uma generosidade enorme. Liderou, por exemplo, os Missing Children [federação de 30 organizações em 25 países que se ocupa do desaparecimento e exploração sexual de crianças].”

José Luís Arnaut refere, por fim, a sua estreita colaboração com Vasco Graça Moura na Comissão dos Descobrimentos. Margarida Sousa Uva foi, nos anos 80 do século passado, secretária pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa no jornal Semanário.

Na noite desta quinta-feira, há uma missa de corpo presente na Basílica da Estrela e, sexta-feira, ao fim da tarde, tem lugar a cremação no cemitério do Alto de S. João.

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