Doenças raras, medicamentos órfãos e Portugal

A aposta na investigação e a sua ligação à indústria, é uma forma inegável de atrair investimento e de criar inovação terapêutica com impacto positivo na economia nacional.

Com a adopção do Regulamento (CE) n.º 141/2000 pela Comissão Europeia, criaram-se condições para o desenvolvimento dos medicamentos órfãos e, como resultado, o Comité dos Medicamentos Órfãos já avaliou desde a sua criação em 2000 cerca de 2500 pedidos de designação como medicamento órfão. Os medicamentos órfãos destinam-se ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma doença que coloque a vida em risco, seja cronicamente debilitante e afecte até 5 em cada 10 mil cidadãos da União Europeia; ou, alternativamente, de uma doença que coloque a vida em risco, seja gravemente debilitante ou seja grave e crónica, e que sem incentivos adequados, a comercialização deste medicamento dificilmente será capaz de gerar receitas que proporcionem o retorno do investimento necessário ao seu desenvolvimento.

Em Portugal, a dispensa destes medicamentos é efectuada a nível hospitalar, e a evidência da penetração destes medicamentos no mercado Português é identificada pelo aumento dos encargos hospitalares com medicamentos órfãos. Em 2014 estes encargos representavam quase 75 milhões de Euros, em comparação com aproximadamente 40 milhões de Euros em 2007. Importa salientar que os medicamentos destinados a doenças raras oncológicas são os que maior consumo têm tido em Portugal, seguindo-se a terapêutica da polineuropatia amilóidotica familiar, as doenças metabólicas, a hipertensão pulmonar e outras patologias. Através dos diferentes Governos de Portugal, o país tem conseguido dar aos seus doentes o acesso a uma parte muito significativa da inovação na área das doenças raras que, não sendo um acesso ilimitado – porque os recursos são finitos e têm de ser distribuídos de forma racional e equilibrada por todos os cidadãos – é de destacar face a outros países da União Europeia com políticas de acesso bastante mais restritivas.

A Agência Europeia do Medicamento já recomendou à Comissão Europeia a concessão de Autorização de Introdução no Mercado a mais de uma centena de produtos. Os 114 medicamentos órfãos autorizados pela Comissão Europeia cobrem actualmente 94 doenças raras, maioritariamente doenças oncológicas (40%) e metabólicas (19%), representando áreas de maior desenvolvimento e investimento. Embora estes números representem o sucesso desta iniciativa regulamentar, demonstram também que há ainda muito espaço para investigação e uma enorme necessidade de novos medicamentos para as mais de 6000 doenças raras existentes e que afectam 30 milhões de cidadãos europeus. Consciente desta necessidade, a Comissão Europeia tem norteado o financiamento dos seus programas de investigação de forma a fomentar o desenvolvimento translacional de novas terapêuticas para doenças raras. É precisamente através destes programas de financiamento que tem sido redefinida a estratégia de investigação europeia neste domínio, privilegiando a interacção entre a academia e o tecido empresarial e industrial europeu. Portugal encontra-se especialmente bem posicionado nesta área, tendo em conta a capacidade de investigação na área das doenças raras de muitas Universidades bem como a capacidade da indústria nacional criar parcerias estratégicas que suportam consórcios que podem beneficiar de financiamento competitivo. Importa não esquecer que o conhecimento ganho com a investigação de doenças raras tem servido de base a algumas das maiores descobertas na área da terapêutica, como é exemplo a utilização das estatinas na terapêutica da hipercolesterolemia, beneficiando assim muito mais cidadãos que aqueles que sofrem de doenças raras.

A maior parte da inovação a que temos assistido é proveniente dos avanços significativos na área da biotecnologia, pelo que o investimento nesta área continuará a representar uma oportunidade única para o potencial competitivo nacional no desenvolvimento de novos medicamentos. A aposta na investigação e a sua ligação à indústria, é uma forma inegável de atrair investimento e de criar inovação terapêutica com impacto positivo na economia nacional.

Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Presidente do Comité dos Medicamentos Órfãos da Agência Europeia do Medicamento

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