Colangite biliar primária – uma doença enigmática

Urge aumentar o conhecimento da sociedade sobre esta doença que é responsável por cerca de 9% dos transplantes de fígado realizados na Europa.

A Colangite biliar primária é uma doença relativamente rara, mas que pode ser difícil de diagnosticar, dado que os sintomas são pouco específicos.

A doença conhecida pelas suas iniciais CBP, surge sobretudo nas mulheres, com uma frequência de 9-10 mulheres para 1 homem, e sobretudo na meia-idade, com uma idade média na altura do diagnóstico variando de 51 a 59 anos.

Em Portugal, é difícil calcular o número de doentes com CBP. De uma forma geral, no Mundo, foi calculada uma prevalência variando entre 6,7 a 400 casos por milhão. Por exemplo em Espanha calcula-se que existam cerca de 61 casos por milhão. Em Portugal é provável que existam entre 500 a 1000 casos.

Mas o que é de facto, a CBP? É uma doença, cuja causa se desconhece, em que existe uma inflamação mantida dos pequenos canais biliares presentes no fígado. Este é um processo crónico e lento, que se não controlado, vai levar a uma reacção fibrótica (como uma espécie de cicatriz) que ao progredir acaba por levar à cirrose, e mesmo ao cancro do fígado. A cirrose é a destruição parcial do fígado, levando a complicações como ascite (barriga de água), encefalopatia (confusão mental) ou sangramento digestivo (por rotura de varizes do esófago).

A doença pode ser suspeitada pelo Médico de Família, que de uma forma geral encaminha os doentes para um especialista do fígado.

Mas quais são os sintomas que podem levantar esta suspeita? Podem ser o prurido (comichão), a fadiga e a icterícia (cor amarela da pele e escleróticas e da pele). O prurido surge habitualmente com mais intensidade à noite ou quando está calor, e pode ter graus muito variados de intensidade. Os doentes tendem a atribuir esta queixa a uma doença da pele, e a consultar um Dermatologista, que eventualmente irá suspeitar da doença e pedir os exames necessários para o seu esclarecimento. A fadiga é frequente, mas pouco especifica, dado que está presente em muitas outras doenças, e mesmo na ausência de doença. Quanto à icterícia, esta surge apenas em fases avançadas da doença, sendo rara como forma de apresentação.

Contudo, o mais frequente é que os doentes estejam assintomáticos, verificando-se uma alteração das análises do fígado, observada em análises de sangue feitas de rotina, como por exemplo para seguros, ou realizadas durante a investigação de uma outra doença. Apesar do diagnóstico ser relativamente simples, verificamos que desde as primeiras alterações até ao diagnóstico podem decorrer vários anos, período durante o qual a doença vai evoluindo

Após o diagnóstico estabelecido, os doentes são habitualmente seguidos com frequência semestral, com análises e ecografia Abdominal.

Quanto ao tratamento, existem várias medicações. Uma delas, o ácido Urso-desoxicólico (AUDC), quando tomado regularmente consegue reduzir significativamente as complicações da doença, a progressão para cirrose e melhorar a sobrevivência. Esta medicação quando dada a doentes em fase inicial da doença, permite uma sobrevivência semelhante à da população normal, da mesma idade e sexo, desde que se verifique uma resposta favorável ao tratamento. Existe no entanto uma percentagem de doentes para quem este tratamento não resulta, e em quem a doença continua a progredir. Assim, tem-se procurado encontrar novos medicamentos. Nos últimos anos, foi desenvolvido um fármaco, que já está aprovado, mas que está ainda a ser alvo de vários estudos, para confirmar a sua eficácia, e que poderá assim resolver o problema dos doentes que não respondem ou não toleram a medicação com AUDC.

Quando estes tratamentos falham, deverá realizar-se um transplante hepático, que é uma boa opção de tratamento, tendo no entanto uma mortalidade imediata associada ao procedimento, e obrigando a fazer tratamento para evitar a rejeição durante toda a vida.

A Colangite Biliar Primária é uma doença pouco conhecida e pouco falada, pelo que urge aumentar o conhecimento da sociedade sobre esta doença que é responsável por cerca de 9% dos transplantes de fígado realizados na Europa. Deve ser identificada e tratada o mais precocemente possível, conseguindo-se assim reduzir os riscos de complicações e morte precoce. Estão em estudos novas alternativas de tratamento, que se espera possam melhorar ainda mais as perspectivas destes doentes a médio e longo prazo.

Professora da Faculdade de Medicina de Lisboa
 

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