Só meia centena a cumprir pena por incêndio florestal

Petição a pedir até 25 anos de cadeia para incendiários reúne número recorde de assinaturas em menos de 48 horas.

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O número de queixas apresentadas pelos cidadãos às autoridades por suspeitas de fogo posto duplicou entre 2014 e 2015 Nelson Garrido

As cadeias portuguesas e instituições similares têm neste momento 51 pessoas a cumprir pena por incêndio florestal, número a que se juntam mais cinco presos preventivos por suspeitas do mesmo crime.

Os dados são da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que especifica que entre as 51 pessoas existem duas mulheres e 11 inimputáveis. Por crimes que envolvem fogo posto mas não em florestas, bem como explosão e outras condutas especialmente perigosas, existem mais 159 pessoas atrás das grades, 20 das quais inimputáveis. Isto num universo de cerca de 14 mil reclusos.

A maioria dos 40 condenados por incêndio florestal — descontados os inimputáveis — cumprem penas entre os três e os seis anos de duração. Há, porém, que assinalar que para a medida destas penas podem ter contribuído outros crimes resultantes dos incêndios em causa, como a morte de terceiros. Seja como for, 22,5% destes 40 reclusos foram condenados a sentenças entre os seis e os nove anos, enquanto 20% têm um a três anos para cumprir.

É baixa a percentagem de arguidos condenados por este tipo de crime que cumprem, efectivamente, cadeia. Apenas 6% dos condenados entre 2007 e 2011 pelo crime de incêndio florestal nos tribunais de primeira instância viram ser-lhes aplicada uma pena de prisão efectiva. No final de 2013 havia apenas 21 pessoas nas cadeias portuguesas por terem deitado fogo à floresta, muito embora os tribunais de primeira instância tenham condenado 104 dos 156 arguidos que lhes foram apresentados por esse crime naquele ano. Muitas vezes, os juízes acabam por decretar multas ou por suspender as penas de prisão, pondo como condição que os incendiários se sujeitem a tratamento.

“Basta de ter mão leve”

Perante este cenário, não é de estranhar o sucesso que está a ter uma petição lançada online há 48 horas, e que conseguiu, antes sequer de as completar, reunir mais de 25 mil assinaturas, na qual se exige que a pena máxima de prisão para os incendiários suba para os 25 anos de prisão — ou seja, para o máximo permitido por lei em Portugal. Trata-se de uma moldura penal aplicável a crimes de extrema gravidade, como o homicídio qualificado.

O autor da iniciativa, Rafael Carvalho, um funcionário público de 29 anos residente em Vila Nova de Cerveira, diz-se cansado de assistir, ano após ano, à destruição do património florestal. “Basta de ter mão leve para os criminosos que, por prazer ou interesses económicos, destroem o património, põem vidas humanas em risco, e fazem gastar milhares de euros nos combates aos incêndios”, argumenta na petição. “Chega apenas estarmos sentados no nosso sofá a ver as notícias de mais um incêndio. Nós, cidadãos, temos o poder de mudar as coisas matando o mal pela raiz”, apela ainda.

Rafael Carvalho confessa que não estava à espera de suscitar o interesse de tanta gente. Mas, agora que isso aconteceu, afirma-se disposto, juntamente com os signatários que o quiserem ajudar nessa tarefa, a apresentar a reivindicação à Assembleia da República. “Há falta de vontade política para resolver o problema”, observa. O distrito de Viana do Castelo, a que pertence Vila Nova de Cerveira, tem sido fortemente penalizado pelo fogo nos últimos dias, assinala. E sublinha que, na Madeira, as chamas já mataram três pessoas.

“Muitas vezes, os incendiários são apenas alvo de uns avisos e pouco mais. Para o infractor, o crime compensa”, critica o funcionário público. “Se souberem que se arriscam a 25 anos de cadeia vão pensar duas vezes.”

Uma segunda petição, intitulada “Mudança de penas para crimes de fogo posto” e colocada a circular igualmente nas últimas horas, defende também o endurecimento do regime legal. Pretende que os incendiários deixem de beneficiar de pena suspensa, indultos ou outro tipo de perdões, e também de liberdade condicional, sendo obrigados a cumprir a pena integralmente, até ao fim, na cadeia. Para ser discutida no plenário da Assembleia da República, uma petição deverá reunir pelo menos quatro mil assinaturas — ou então, em alternativa, ser alvo de um relatório favorável à sua discussão.

“Não é uma subida das penas que vai dissuadir os incendiários”, considera o psicólogo criminal da Universidade do Minho Rui Abrunhosa Gonçalves.

Este especialista, que há alguns anos já trabalhou sobre o fenómeno, pensa que é necessário manter as pessoas com um perfil de risco sob controlo na época dos incêndios — por exemplo, sujeitos a pulseira electrónica. Desde logo quem já foi condenado por fogo posto, mas também quem foi apenas indiciado pelo mesmo crime. O perfil mais habitual dos incendiários aponta para pessoas com problemas de saúde mental, baixa escolaridade, com consumo de álcool acima do habitual e baixa tolerância à frustração, recorda. “Tem de haver meios de os controlar”, insiste Rui Abrunhosa Gonçalves. “Em muitos casos, agem para tentar aplacar sentimentos de vingança muito primários. Além de estarem sob vigilância, têm de ser tratados.”

A escalada das penas judiciais não o convence. Se a pena máxima deste tipo de crimes subisse para 25 anos, que castigo se aplicaria a um homem que deixa os filhos órfãos de mãe? — interroga.

O número de queixas apresentadas pelos cidadãos às autoridades por suspeitas de fogo posto duplicou entre 2014 e 2015: registaram-se perto de dez mil participações, o que constitui o valor mais elevado dos últimos dez anos, revelou o último Relatório Anual de Segurança Interna.

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