Melhorou-se no combate aos fogos, mas "deixou-se tudo o resto por fazer"

Autor de tese de doutoramento que analisou os dez anos de aplicação do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios conclui que é preciso concentrar meios na prevenção e repovoar o interior.

Foto
Portugal, diz Ricardo Ribeiro, é o único país da UE que refloresta menos do que a área que arde Enric Vives-Rubio

“Nos últimos anos começou-se a melhorar as condições de combate aos incêndios florestais, mas deixou-se tudo o resto por fazer.” É desta forma que Ricardo Ribeiro, professor na área da protecção civil e comandante dos bombeiros de Paço de Arcos, faz o balanço dos dez anos de aplicação do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

Por isso, o também presidente da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Protecção Civil (Asprocivil) insiste, numa tese de doutoramento que defendeu no final do mês passado na Universidade Europeia, em Madrid, que é preciso concentrar os meios na prevenção e no repovoamento do interior. Ainda que considere que também ainda há muito trabalho a fazer no combate, nomeadamente no reforço da primeira intervenção e na melhoria dos rescaldos.

“Portugal é o país que regista uma maior taxa de reacendimentos da União Europeia por dificuldades na forma como se faz o rescaldo”, lamenta Ricardo Ribeiro, que afirma com orgulho que conseguiu a nota máxima no doutoramento: muito bom com distinção.

PÚBLICO -
Aumentar

Defende que são necessários incentivos fiscais e linhas especiais de crédito para levar as pessoas para o interior ou, pelo menos, para não as deixar sair de lá. “É preciso atribuir valor à actividade florestal de forma a fixar as pessoas nessas áreas”, sublinha, lembrando que os grandes incêndios só passaram a ocorrer em meados dos anos 1970, quando a floresta deixou de ser vista como uma mais-valia.

O professor lembra que a deslocalização de grande parte da população rural para o litoral levou ao abandono dos campos e à inevitável falta de gestão destes espaços, com a consequente acumulação do combustível. Por isso, também é preciso apostar na limpeza dos terrenos, mesmo que seja necessário fazê-lo de forma coerciva. Mas, acima de tudo, é preciso premiar os cumpridores, criando incentivos públicos para quem gerir de forma adequada a floresta e para quem limpar o combustível. Em complemento, sugere a criação de equipas de prevenção de incêndios, que trabalhariam todo o ano nas limpezas e na criação e manutenção de pontos de água e de aceiros.

Ricardo Ribeiro insiste que é preciso trocar as políticas de curto prazo, essencialmente reactivas e baseadas em investimentos tecnológicos, por políticas de longo prazo que eliminem as causas estruturais dos incêndios florestais. E lamenta o ritmo a que a floresta portuguesa tem sido destruída, exemplificando que, em 2013, arderam em Portugal perto de 153 mil hectares, metade de toda a área consumida pelas chamas na Europa nesse ano. “Somos o único país da União Europeia que apresenta um nível de reflorestação negativa, ou seja, refloresta-se menos do que a área que arde. Por isso, temos hoje muito menos floresta que há 20 anos”, critica. “Assim deixamos de ter floresta e passamos a ter mato.”              

O presidente da Asprocivil teme o agravamento do problema dos incêndios nos próximos anos fruto das alterações climáticas. O aumento da temperatura média, a redução da precipitação e o aumento de episódios climatéricos extremos, acredita, irão intensificar o fenómeno dos fogos. Os incêndios, antecipa, “vão deixar de ser um problema do Verão e vão estender-se também a zonas do país até agora mais poupadas”.

O autor considera igualmente que é necessário investigar de forma mais profunda as causas dos incêndios para diminuir de forma eficaz o número de ignições. A forma como as condições atmosféricas ou a composição do coberto vegetal condicionam a progressão dos fogos é outro aspecto que precisa de aprofundamento.

Sugerir correcção
Comentar