O "galpismo" não deve ficar impune

Há uma enorme diferença entre a metafórica promessa de bengaladas ou bofetadas e a promiscuidade entre política e negócios.

Se os três secretários de Estado futebolisticamente “pescados à linha” pela Galp não se demitirem ou não forem demitidos, o governo de António Costa ficará seriamente infectado por uma ferida profunda. Por mais hábil que tenha procurado ser o ministro Augusto Santos Silva, tentando convencer-nos de que o problema seria resolvido com o pagamento, pelos secretários de Estado em questão, das despesas correspondentes ao favor que a Galp lhes proporcionou, e, ainda, pela “densificação” da legislação em vigor sobre incompatibilidades (que já é perfeitamente clara e não precisa de “densificação” alguma), o certo é que estes subterfúgios são o mesmo que tentar tapar o sol com uma peneira e revelam muito pouca habilidade política.

É verdade que a insistência com que a empertigada chefe do CDS-PP, Assunção Cristas, reclama a demissão dos três secretários de Estado cria engulhos e ignora escândalos do governo a que ela pertenceu (e que deveriam ter determinado a demissão imediata de alguns ministros e secretários de Estado). Mas é bom que fique claro que não é por causa da reclamação insistente e esganiçada de Assunção Cristas que os secretários de Estado “galpistas” devem demitir-se ou ser demitidos. Devem sair, desde logo porque não faz sentido a permanência no governo de três dos seus membros desde agora feridos por uma capitis deminutio, isto é, uma diminuição de capacidade para tratar de assuntos relativos à Galp. Devem sair, igualmente, por uma questão de princípios e, já agora, tendo em conta exemplos anteriores que só enobreceram governos do PS num passado não muito longínquo e que vale a pena lembrar.

Só quatro exemplos. Durante o I Governo constitucional, chefiado por Mário Soares, o ministro da Indústria, Walter Rosa, demitiu-se assumindo as dores de um crime praticado por um filho maior e vacinado, que nada tinha que ver com as funções desempenhadas pelo pai. Também o secretário de Estado da Comunicação Social, Roque Lino, se demitiu por causa da escolha infeliz de um chefe de Gabinete que foi chamado à pedra pela Justiça, por actos praticados anteriormente à sua nomeação e que o secretário de Estado desconhecia. Durante o IX Governo constitucional (PS-PPD), igualmente chefiado por Mário Soares, o ministro do Ambiente, Francisco Sousa Tavares, demitiu-se na sequência de acusações feitas na Imprensa, que vieram a revelar-se sem fundamento quando ele foi posteriormente julgado e absolvido. Finalmente, durante o XIII Governo constitucional, chefiado por António Guterres, o ministro da Defesa, António Vitorino, demitiu-se ao ser acusado de não ter pago a sisa relativa a uma compra que efectuou, problema esse que acabou por ser esclarecido e inteiramente resolvido.

Não me esqueço de que uma das “Cinco questões ao PS para memória futura” que tornei publicas em Junho de 2014, ainda antes da disputa eleitoral entre António José Seguro e António Costa (que viria a ser ganha por este), foi precisamente esta: “O que fará uma direcção do PS para pôr cobro à promiscuidade entre política e negócios que infelizmente atravessa o chamado ‘arco da governação’ de uma ponta a outra?”. Devo dizer – sem qualquer receio de que me acusem de defender um familiar e amigo – que considero este caso dos três secretários de Estado que se deixaram “pescar à linha” pela Galp bastante mais grave do que o caso das bofetadas metaforicamente prometidas no “facebook” a dois jornalistas pelo então ministro da Cultura, João Soares, que se demitiu poucos dias depois. Há, de facto, uma enorme diferença entre a metafórica promessa de bengaladas ou bofetadas e a promiscuidade entre política e negócios.

Cronista

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