Terrorismo e linguagem

A banalização do mal também é tramada. E faz mal. Mata que se farta – desde logo, a inteligência do mundo.

Fala-se muito de banalidade do mal. É verdade: os monstros estão sempre à espreita porque, quando não estão dentro de nós, estão entre nós. Mas a banalização do mal também é tramada. E faz mal. Mata que se farta – desde logo, a inteligência do mundo.

O problema com as designações é que depressa se banalizam. Erdogan agora chama terroristas a todos os seus inimigos e disse que "a Europa apoia terroristas". Putin já há um pedaço que enfiara pelo mesmo caminho. Os EUA e a ONU não se entendem e amiúde parecem ter como desporto favorito tirar e pôr organizações nas listas de, precisamente, “organizações terroristas”. E, à pala do terrorismo, tipos inenarráveis agarram-se ao poder e/ou ganham eleições sem programa sequer, só investindo no medo irracional. Na Inglaterra pós-Brexit, para mostrar que os tem no sítio, Theresa May disse que não hesitará em usar bombas nucleares. Já tinha nomeado Boris Johnson chefe da diplomacia, não precisava de mais. E vem na linha do sr. Geoff Hoon, ministro do hoje pouco popular Tony Blair, que tinha ameaçado Saddam do mesmo, quando se brincava alegremente, com Durão Barroso pelo meio, à fantasia das Armas de Destruição Maciça, no longínquo 2003. Em França, três figuras patéticas discutem o trono: Hollande, Sarkozy, Le Pen. Pessoalmente só confio em Manuel Valls, o cada vez mais plenipotenciário primeiro-ministro, porque faz sempre cara de mau e a mim, não sei porquê, as caras de mau confortam-me, fazem-me sentir mais protegido. E não querem que fale de Donald Trump, pois não? O homem é um génio – de quê, eis a questão. 

Com isto não estou a negar a existência de terroristas – apenas a dizer que o medo é irracional e não é o melhor instrumento para tomar decisões. Já agora, um martelo também não é a mais adequada ferramenta para limpar o pó às pratas.
E a chatice é que esta moda de chamar terrorista a tudo quanto mexe lembra a expressão filho-da-puta. No início esta terá tido uma justificação pragmática: designar alguém cuja mãe fosse meretriz de profissão. Depois foi alargando como insulto fácil, dado que o mester desmerecia quem o exercia (embora não quem dele fosse cliente) e qualquer indivíduo de que não gostássemos passou a “ser” um filho-da-puta. Aquele tipo ganhou-me ao chinquilho? É um filho-da-puta. Aquele casou com a mulher com quem eu queria casar? É um filho-da-puta. Este discorda de mim? É um filho-da-puta. O meu vizinho põe a música demasiado alta? É um...

Pois. E quem nunca chamou terrorista ou filho-da-puta a uma criança (inclusive com carinho) que atire a primeira pedra.

Escritor

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