Envelhecer com o VIH

É preciso pensar em unidades especializadas para intervir junto das pessoas que vivem com o VIH há mais de 20 anos.

Segundo um estudo recente (2014), o VIH terá surgido em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, por volta de 1920. Admite-se porém que a sua existência possa ser mais remota, até. É no entanto, na década 80 que o VIH assume a sua identidade e nos finais dos anos 80 e 90 provoca o seu maior número de mortes. Quem não se lembra do filme Philadelphia ou mais recentemente O Clube de Dallas que marcaram as nossas vivências e a percepção de que a infecção pelo VIH conduzia inevitavelmente a uma morte prematura e dolorosa e o desespero associado à ausência de medicação que verdadeiramente controlasse a infecção. Só no final da década 90, no ano de 1996 é que se começou a falar da era da terapêutica anti-retroviral de alta potência. Uma terapêutica combinada, com vários agentes farmacológicos, que permitia controlar a infecção e dar uma maior esperança de vida às pessoas portadoras do VIH.

Durante 20 anos estivemos preocupados e focados na supressão vírica e no restauro do sistema imunitário para prevenir novas infecções e/ou complicações clínicas. Infelizmente a discrepância e o tempo que cada País demora a ajustar-se aos novos avanços terapêuticos é demasiado lento para a realidade dos utentes. A discrepância nos acessos aos cuidados de saúde e os próprios cuidados de saúde que são prestados é abismal. Ainda hoje, segundo a UNAIDS nascem anualmente 150 mil crianças infectadas pelo VIH quando nos países desenvolvidos esta é uma realidade quase inexistente.

Durante estes 20 anos passámos de percepcionar o VIH como uma infecção mortal para a encarar como uma infecção crónica, com a qual é possível viver com cada vez menos implicações no quotidiano das pessoas infectadas. Se ainda não encarava o VIH como uma infecção crónica, então depois de ler este artigo passe a fazê-lo, pois felizmente é uma realidade em Portugal.

Apesar de ainda termos de continuar a lutar por melhores acessos em saúde, hoje em dia já começamos a dar os primeiros passos no pensamento de envelhecer com qualidade com a infecção pelo VIH. Sendo uma infecção crónica, a sua presença no organismo durante vários anos, provoca alterações da densidade óssea, do sistema nervoso central e das funções renais, esta última agudizada também pela toma prolongada de medicamentos.

Segundo estudos recentes (2015) haverá, igualmente um aumento da comorbilidade do VIH e da diabetes o que conduzirá a maiores complicações clínicas e aumento da despesa pública nos cuidados de saúde. É com base nestas evidências que temos que começar a preparar o futuro de amanhã. Os medicamentos já não podem somente exercer a função de suprimir a carga viral, deverão ser o mais seguro possíveis diminuindo o aparecimento de outras complicações. É preciso preparar unidades que estejam técnica e logisticamente equipadas para darem resposta a estes novos desafios. Deverá haver uma maior confluência de actuações tanto dos diversos especialistas clínicos entre si, como entre as diversas áreas de estudo, tanto clínicas como sociais e psicológicas.

É preciso pensar em unidades especializadas para intervir junto das pessoas que vivem com o VIH há mais de 20 anos e que devem envelhecer com a maior qualidade de vida possível e simultaneamente aprender com os dados obtidos e prevenir e actuar profilacticamente até, na redução do aparecimento de comorbilidades e outras complicações espectáveis. Em suma é preciso uma visão integrada e dinâmica da pessoa que vive com o VIH.

Na ABRAÇO ensinamos a sentir com os olhos e a olhar com o coração.

Presidente da Associação Abraço

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