A melhor vista para o Maracanã nos Jogos Olímpicos? Favela da Mangueira

Empolgação olímpica? “Do mesmo jeito que vem, passa”, diz uma moradora do Morro da Mangueira, vizinho do Maracanã

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O melhor camarote para a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos no Rio? Morro da Mangueira, vizinho do Maracanã, custo zero. “Cada um tem o seu privilégio”, diz Thiago Santana, vice-presidente da Associação de Moradores, conhecido como Thiaguinho da Mangueira. “O pessoal da zona sul tem a vista da praia. A gente tem o Maracanã.” E o Corcovado, o Redentor, que lindo.

“Muitos gostariam de ter essa visão que a gente está tendo”, diz Rosângela Rodrigues de Carvalho, 51. “Querendo ou não, a gente ‘tá participando”, diz Alcides de Jesus Luiz, com um sorriso. “Gostaríamos de estar lá dentro mas hoje é mais complicado para nós.” Ninguém na favela tem dinheiro para isso. “Jamais”, diz Rosângela.

Na sexta-feira à noite, muitas famílias puderam ver os fogos de artifício no estádio sem sair de casa. Fotojornalistas gringos alugaram lajes (terraços) de moradores para fotografar o Maracanã, iluminado e pulsante. Muitos jovens concentraram-se numa curva do viaduto da Mangueira, com os telemóveis no ar, perdendo a conta aos selfies. De vez em quando, camiões do BOPE, a brigada de operações especiais da Polícia Militar, subiam ou desciam a ladeira, com os seus canos de espingarda apontados para fora. Helicópteros cruzavam o céu sobre o Maracanã, zunindo como abelhas.

Rosângela não queria acreditar que o filho caçula tinha falhado mais uma oportunidade para fotografá-la com os fogos que jorravam do Maracanã. Ela queria pôr no Facebook para todo o mundo ver. A pirotecnia não durava mais que alguns segundos, exigindo destreza e preparo, e, sobretudo, muito tempo de espera: a cerimónia ia durar quatro horas. “Eu achava que ia ter fogo como o réveillon em Copacabana”, lamentou Rosângela, ponderando desistir.

Nove e meia da noite já era para estar dormindo. Mas aquele não estava a ser um dia típico: mais cedo, aproveitando o feriado, Rosângela tinha descido com o filho e deram a volta ao Maracanã para ele caçar Pokémons com o seu telemóvel (“É bom porque não é todo o filho de 16 anos que interage com a mãe”). “Fomos para casa, comprei as minhas três cervejinhas Itaipava, bebi duas”, conta. “Eu ia ficar em casa. Mas no último momento o espírito olímpico baixou em mim. Eu pensei: ‘O evento está acontecendo na minha cidade, e eu não vou lá prestigiar ele?’ Não vou passar em branco, é um momento muito grande.” Rosângela levou a cerveja que sobrava para o viaduto, sem esquecer as taças. Achou que o lugar ia encher, que não iriam conseguir chegar na beira do viaduto, primeira fila para o Maracanã. Mas estava mais vazio do que esperava.

Mangueira é morro de samba e Carnaval, Olimpíadas é coisa de gringo. “Pô, isso aqui é inédito”, repete Severino, o dono do Bar do Billy, onde cinco homens seguiam a cerimónia de abertura em directo na TV, enquanto bebiam cerveja ao balcão. Um aviso por baixo da televisão: “Cerveja só com dinheiro. Não insista.” “Nós não vamos mais ver Olimpíada aqui no Brasil. Quem vai ver é os nossos filhos”, concluiu António, um dos homens.

Mas é difícil ficar empolgado com Olimpíadas quando o governo do Rio de Janeiro está em falência, quando hospitais, escolas e universidades estão na penúria, quando se demora uma hora a chegar de autocarro ao centro da cidade, que fica a 10 minutos da Mangueira, ou três horas a voltar da Barra da Tijuca, depois de se limpar apartamentos na Vila Olímpica. É difícil ficar empolgado quando 300 autocarros da rede de transportes públicos são reservados para transportar atletas olímpicos e soldados para o Maracanã. “Tiraram esses ônibus do trabalhador para trazer para aqui”, critica Eleonora de Freitas. “Não dá para falar que está tudo bonito. Desde 2009, os caras só focam em Copa do Mundo e Olimpíadas. Entretanto, deixaram os problemas básicos largados.”

Camisa verde-rosa, as cores da escola de samba fundada por Cartola, Estação Primeira do Brasil, fala Thiaguinho da Mangueira: “Não está sendo a mesma emoção que foi a Copa do Mundo. Mesmo sabendo que é algo histórico, tem um sentimento de falta. Tá faltando alguma coisa que devia ter vindo junto com a Olimpíada. Praticamente nada da Olimpíada repercutiu na comunidade da Mangueira”, diz o futuro candidato a vereador. O governo anunciou um pacote grandioso de investimento em favelas como a Mangueira, onde desde 2011 existem UPP, as Unidades de Polícia Pacificadora que nos últimos anos, com resultados polémicos, tentaram expulsar o tráfico de droga do morro. Só a Mangueira deveria beneficiar de 170 milhões de reais em obras, incluindo posto de saúde, creche, novas habitações para famílias em áreas de risco, ampliação da rede de saneamento básico e de abastecimento de água. Mas o projecto, que deveria estar concluído este ano, nunca saiu do papel. “Gastou-se 1,3 bilhões de reais reformando o Maracanã e a área em volta. Sendo que não foi nada aplicado na Mangueira”, lamenta Thiago. “A gente está aqui comemorando mas, acabando, a gente vai ter de voltar para a nossa realidade.”

Cristiane Neves Batista, operadora de caixa, 27, não faz boa cara quando se fala de Jogos Olímpicos. “Não vai mudar em nada a minha vida”, atira. Mãe de dois rapazes, Cristiane teve uma menina, Larissa, há dois meses no Hospital Maternidade Fernando Magalhães, em São Cristóvão, zona norte do Rio. “Eu quase morri”, diz. Ficou 30 horas em trabalho de parto e deveria ter realizado cesariana, mas por ser uma intervenção mais cara, os médicos forçaram o parto normal. “Se eu morresse ou ela morresse, era só mais um”, lamenta. “Os médicos falaram que não tem verba. Tem, sim. Para fazer isso aí”, diz, apontando o Maracanã. “A gente está sendo mal-tratado pelo governo da gente.”

O viaduto esvazia muito antes de a cerimónia terminar, perto da meia-noite. Era muita espera para tão pouco fogo. “Empolgação olímpica. Do mesmo jeito que vem, passa”, ri-se Eleonora. Uma adolescente segue a cerimónia em directo no telemóvel. “Levanta o celular no alto, pra todo o mundo ver”, pede Eleonora. Em menos de 20 segundos, os fogos mais grandiosos encerram a cerimónia no Maracanã. Aplausos, gritos, mais selfies. “Tô vivendo em Copacabana! Isso é Copacabana!”, celebra Eleonora, enquanto o morro muda de cor, iluminado pela explosão de fogo no céu. Mas alguém corrige, com orgulho: “Isso aqui é Mangueira.”

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