Uma indústria na órbita de um gigante

A indústria corticeira reúne 670 empresas, mas a Amorim é responsável por dois terços do negócio. As exigências de capital, de tecnologia e de qualificação estão a mudar o perfil do sector. As pequenas empresas arriscam-se a perecer na selecção em curso.

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Nelson Garrido

Não há volta a dar: quando se fala de cortiça, o nome Amorim surge de imediato. O gigante de Mozelos é destacadamente o maior grupo industrial do mundo do sector, com vendas que no ano passado ultrapassaram os 605 milhões de euros. Dois terços das exportações nacionais do sector, que ascenderam a 900 milhões de euros no ano passado (metade das exportações do calçado, por exemplo), levam a chancela do grupo. A sombra da Amorim, porém, não faz esquecer uma galáxia de pequenas e médias empresas que lutam pela sobrevivência entre os mais fortes. Em 2002, havia na cortiça 850 empresas que empregavam pouco mais de 12 mil trabalhadores; hoje, subsistem cerca de 670, onde trabalham cerca de 8300 pessoas. Como nos outros sectores tradicionais, a cortiça atravessou a sua fase de furacão, que deixou um rasto de insolvências e de extinções de postos de trabalho.  

A reestruturação da cadeia industrial acentuou-se com a crise de 2009 e ainda não acabou. A proliferação de microempresas é difícil de encontrar em outros sectores – dos 270 associados da Associação Portuguesa da Cortiça, Apcor, mais de metade têm menos de cinco trabalhadores. A consolidação do sector “não tem sido feito de forma muito organizada. Tem resultado das circunstâncias do mercado. As empresas mais fortes compram as empresas que morrem, mas ao fazê-lo estão principalmente a comprar clientes”, explica João Rui Ferreira, presidente da Apcor. A maior dificuldade de pequenas unidades familiares é encontrarem meios de subsistir numa indústria que – como reconhece Rui Cardoso, presidente do Cincork, o centro de formação do sector – deixou há muito de viver da mão-de-obra intensiva. As pequenas empresas ou se especializam muito, ou estão ameaçadas a prazo. “Não podem ficar a meio da cadeia de valor”, diz João Rui Ferreira.

Alberto Castro, professor na Universidade Católica do Porto e coordenador de um estudo recente sobre o sector, acredita que o sucesso das pequenas unidades está dependente de uma “estratégia cooperativa” dinamizada pelas grandes empresas e que as inclua “numa cadeia de valor da qual todos podem beneficiar”. À partida, a cooperação já está a fazer o seu caminho, mas nem sempre numa lógica favorável a toda a fileira, nem com base no espírito associativo que ajuda a explicar o sucesso do calçado. “As pequenas empresas ficam muitas vezes condenadas a prestar serviços às grandes empresas – que lhes entregam matéria-prima e recebem produto acabado. As grandes é que ditam os preços e esmagam as pequenas, acabando por ficar-lhes subordinadas”, diz Alírio Martins, presidente do Sindicato dos Operários da Cortiça.

Neste mundo em transformação, os sindicalistas não se queixam de problemas dramáticos no emprego. Claro que a tecnologia extinguiu centenas de empregos de mulheres nas “escolhas” e, tudo o leva a crer, “a profissão de brocador [os operários que fazem as rolhas a partir de blocos de cortiça] deve acabar daqui a uns dez anos”, admite Alírio Martins. Entretanto, os operários mais qualificados, como escolhedores de cortiça ou brocadores, continuam a arranjar emprego com facilidade. Até porque, numa fase de aceleração da indústria, que nos últimos quatro anos viu as suas exportações crescerem em 200 milhões de euros, as necessidades de mão-de-obra regressaram. “O sector trabalhava oito horas, mas hoje qualquer média ou grande empresa trabalha por turnos durante 24 horas, sete dias por semana. Isso ajudou a manter postos de trabalho”, diz Alírio Martins.

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