Sobre as sanções, no país dos brandos costumes

Mais preocupante do que as sanções em si, é a apatia da sociedade civil em relação a este processo.

A decisão da Comissão Europeia de desencadear o processo de imposição de sanções a Portugal por “défice excessivo” não está a causar nenhum movimento de cidadania que se veja em termos de indignação contra esta imoralidade e injustiça.

O assunto tem sido discutido pelos políticos, pelos comentadores do costume, pelos meios de comunicação social, mas tem havido pouco mais para além disso.   

As “vitórias europeias” no futebol e noutras modalidades desportivas, a praia, os festivais e outras festas de Verão e a caça aos pokémons distraem a atenção das pessoas deste e doutros assuntos que são relevantes para a nossa vida colectiva.

Talvez mesmo sem estas, ou outras distracções, a apatia da população em relação às sanções fosse a mesma.

Para explicar, pelo menos, parte desta apatia, vou recorrer ao que costumo chamar “a minha teoria sobre Portugal”. A primeira componente desta teoria tem que ver com o modo como o país foi criado. Portugal, enquanto país independente, nasceu de um acto de centralização do poder político, na altura, nas mãos de D. Afonso Henrique e da sua equipa. A independência de Portugal não foi um processo de autonomização política de um povo com homogeneidade étnica e cultural que estava subjugado por outros povos. O centralismo político está, pois, no “código genético” de Portugal, sendo, talvez, por isso, que tem perdurado até hoje. Ora, como é sabido, este tipo de poder político não favorece nada o empenhamento cívico da sociedade civil.

Outra componente da “minha teoria sobre Portugal” tem que ver com o lado negativo disto de sermos “um jardim à beira mar plantado”. O clima é bom, não temos furacões, não temos ciclones, só houve um tremor de terra, mas já foi há muitos anos e localizado só numa cidade, não vivemos sob o risco de avalanches, ou de tsunamis, não tivemos que conquistar terra ao mar. Vivemos, por isso, sem necessidade de nos organizarmos colectivamente contra riscos naturais para podermos sobreviver individualmente.

A terceira componente da “minha teoria sobre Portugal” tem que ver com o facto de, desde que o país se tornou independente, nunca ter havido situações onde grande parte da população tivesse tido que verter o seu sangue e passar por outros sacrifícios pesados para defender o solo pátrio. Houve algumas escaramuças com exércitos do outro lado da fronteira, mas parte delas foram problemas dentro das famílias reais dos países ibéricos. Com as invasões francesas foi um pouco mais sério, mas já foi há muito tempo e não houve nem ocupação, nem dominação prolongada dos portugueses por outro povo.

Possivelmente, por tudo isto, a pátria é como se fosse um “dado natural”. Está aí como as serras, as planícies, os rios, o mar e o céu. A pátria não é sentida sendo como uma construção colectiva pela qual a nossa geração e as que ainda estão próximas da nossa tiverem que suar sangue, suor e lágrimas. Sendo a pátria um “dado natural”, temos em relação a ela as emoções de gosto, ou de desgosto, do mesmo modo que também temos esse tipo de sentimentos em relação às pátrias dos outros. Por isso, também não nos importamos que os outros tenham esses sentimentos em relação à nossa pátria.

Tudo isto contribui para que seja muito difícil a organização de movimentos fortes da sociedade civil para fazer face a riscos sociais. A tendência é mais para colocar as esperanças de combate a esses riscos num poder político “forte” (autoritário, ou de maioria absoluta), ou então em “messianismos”.

Somos bons, e até melhores do que os outros, a improvisar respostas a riscos bilaterais ou locais. Nos piores casos respondemos a isso com um insulto, um murro, ou a discutir. Nos melhores casos, respondemos com campanhas de solidariedade que duram pouco tempo, ou com um juntar de esforços de última hora para darmos conta do recado e não ficarmos mal vistos.

Infelizmente, o mundo actual vai num sentido onde os riscos socais vão sendo cada vez mais e cada vez maiores. Para lhes fazermos frente, não chega delegar tudo nos políticos. É preciso que a sociedade civil tenha capacidade para se organizar de forma colectiva e forte. Pelas razões que atrás referi, as nossas dificuldades são muito grandes a este nível, sendo a apatia face às sanções mais uma manifestação dessas dificuldades.

Mais preocupante do que as sanções em si, é a apatia da sociedade civil em relação a este processo.

Coordenador da ATES – Área Transversal de Economia Social da Católica Porto

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