“As transformações no Brasil podem ser muito positivas e necessárias”

Marisa Monte fecha esta quarta-feira o edpcooljazz com um espectáculo em que terá Carminho como convidada. Em entrevista, fala do seu mais recente disco, Coleção, que reúne temas dispersos quase inéditos. E do Brasil. Sábado dia 30 estarão ambas no Porto, no Jardim de Serralves, às 22h.

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Marisa Monte LEO AVERSA
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Marisa Monte apresenta em Portugal, entre tournées, aquilo a ela chama “show de férias”. Com Carminho por convidada, encerra esta quarta-feira o edpcooljazz, em Oeiras (nos Jardins do Marquês de Pombal, às 21h, com a primeira parte entregue a Ana Gomes) e apresentam-se ambas dia 30 no Porto, no Jardim de Serralves, às 22h.

Carminho não surge aqui por acaso. No mais recente disco de Marisa Monte, lançado em Maio, está a canção que gravaram juntas para o álbum Canto, de Carminho (2014), e que esta explicou assim ao PÚBLICO quando o seu disco saiu: “Em casa da Marisa, ela foi-me mostrando várias canções do seu arquivo. Falei-lhe do mar, que é o que nos une, e quando chegámos a esta canção começámos a cantar umas partes ela e umas partes eu, e de repente olhámos uma para a outra e dissemos: ‘está a resultar’. Foi assim uma magia. Ela tinha dito: a canção é que nos vai escolher. E escolheu-nos mesmo.”

O disco Coleção é isso mesmo, uma recolha de canções dispersas, que levavam a voz ou a assinatura de Marisa Monte, mas para trabalhos alheios. “Passei uma boa parte dos últimos dois anos”, diz ela, “a organizar todos os meus arquivos de música, digitalizei tudo, e naturalmente, durante esse processo, fui-me deparando com as participações, músicas que eu fiz e gravei com outras pessoas. Como tinha um álbum previsto, aliás o último do meu contrato, achei que não era muito interessante fazer um best of, uma dessas compilações como geralmente a indústria faz. Por outro lado, havia uma demanda dos meus próprios fãs por temas meus, dispersos, que eles tinham o trabalho de juntar e me entregar. Então o que eu fiz foi uma curadoria pessoal dessas músicas, envolvi-me na escolha delas com um critério subjectivo, mas bem íntimo e pessoal: o que eu lembro de cada música, a importância que elas têm para mim, serem representativas do arco de tempo da minha produção. E também quis que houvesse um equilíbrio interno entre as canções, que elas pudessem ser ouvidas como álbum.”

Dos projectos Red, Hot & Rio, por exemplo, vêm dois temas: um dueto com David Byrne (Águas de Março, de Tom Jobim, em inglês, gravado em 1996) e um outro com Devendra Banhart e Rodrigo Amarante (Nu com a minha música, de Caetano Veloso, gravado em 2011). “Ninguém ouviu, ainda hoje soam muito como coisas inéditas.” O tema de Jobim abre o disco e o de Caetano fecha-o. “Foi um projecto muito importante na luta contra a sida: prevenção, causa, pesquisa... E continua sendo muito relevante.”

Entre esses dois temas, há outros que ela gravou em parcerias com Carminho, Cesária Évora, Paulinho da Viola, Arnaldo Antunes, a Velha Guarda da Portela e a cantora mexicana Julieta Venegas. No final, deentre 40 temas, escolheu treze. “Daria para um outro disco, mas cada um pode fazer o seu. Com outros pontos de vista, outras linhas de condução, outros olhares. Pode ser que um dia faça outros, com outras abordagens.”

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A capa de Coleção não tem uma fotografia mas sim um desenho. O seu autor é o pintor italiano Francesco Clemente, sediado em Nova Iorque, que ela conheceu através de um amigo comum. “Ele tem um olhar muito profundo sobre as pessoas. Já o conheço há uns dez anos e ele já fez três retratos meus. Esse é de 2010. Eu quis usar uma roupa mais glamourosa e ele captou traços muito marcantes meus: a mão, os olhos, a boca.”

Nos concertos de Oeiras e Porto, Marisa Monte estará em palco com uma banda de quatro músicos. “Tem um repertório mais intemporal, com músicas de todos os meus discos. É um show mais leve, mais portátil, com convidados. Mas tem sido um sucesso, de cada vez que o faço. Em Portugal, o espectáculo vai ter o Chuva no mar, que gravei com Carminho, e outros que tenho vindo a preparar com ela. Mas são surpresinhas.”

Já a situação no Brasil não é propriamente surpresa. Mas Marisa olha para ela de forma positiva: “Vejo com preocupação, com insegurança em relação ao que vai acontecer, mas ao mesmo tempo com esperança porque crise é transformação. E as transformações no Brasil podem ser muito positivas e necessárias. Para que a gente tenha um sistema político mais eficiente, mais transparente, mais representativo. E é bom para a nossa jovem democracia que isso esteja sendo debatido na sociedade. A gente está no meio de uma crise, eu sei, e não estamos ainda perto de uma solução. Mas a forma como a própria sociedade está aprendendo sobre o funcionamento do Estado brasileiro é muito interessante. E é muito bom. Vejo tudo isto com preocupação, atenção e esperança.”

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