Eles querem tudo menos Hillary Clinton, nas ruas de Filadélfia

Apoiantes do senador Bernie Sanders voltam as costas à candidata do Partido Democrata. Para eles, a alternativa é Jill Stein, dos Verdes, ou até mesmo Donald Trump: "Se ele for eleito, talvez as pessoas vejam a podridão disto tudo."

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Imagens da manifestação dos apoiantes de Bernie Sanders que se recusam a votar em Hillary Alexandre Martins
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No edifício da câmara de Filadélfia, milhares de pessoas preparam-se para dar início a uma marcha de 12 quilómetros debaixo de uns 38 graus que "feels like" 43, informa o telemóvel. São quase todas apoiantes incondicionais de Bernie Sanders, e só há excepções porque muitas sentem-se traídas pelo apoio do senador do Vermont a Hillary Clinton, essa "superpredadora que devia ser disciplinada", lê-se num cartaz que também não poupa o marido.

É uma marcha gigantesca, que se espalha por uma Broad Street a perder de vista, com destino ao Parque Franklin Delano Roosevelt, a dois passos do pavilhão onde o Partido Democrata deu início esta segunda-feira à convenção que irá carimbar Hillary Clinton como sua candidata oficial à Casa Branca.

Brian Niver tem apenas 33 anos mas está cansado de mais para se juntar aos manifestantes. Ficou sem casa quando perdeu o emprego como chef em Nova Jérsia, e há três meses veio tentar a sorte em Filadélfia. Esta semana tenta também aproveitar a boleia do protesto e das milhares de pessoas que estão na cidade para a convenção, na esperança de juntar dinheiro suficiente para tratar dos documentos que perdeu – são mais ou menos 50 dólares, uma fortuna para quem dorme encostado a um poste e precisa de comer.

Segura no colo um cartaz dado por uma organização que encontrámos mais à frente, com direito a hashtag para que as pessoas com conta no Twitter possam discutir entre elas o horror que é viver na rua: "#RAISEITDAMNIT 7.25 dólares por hora não é suficiente!", que é como quem diz aumentem o salário mínimo de 7,25 dólares para 15 dólares, porra, que isto não dá para viver.

O aumento do salário mínimo para 15 dólares é uma miragem, apesar de Bernie Sanders ter conseguido forçar Hillary Clinton e o Partido Democrata a incluir essa proposta no programa eleitoral – foi por causa de avanços como esse que o senador do Vermont acabou por apoiar Clinton. E são avanços importantes: apesar de essas propostas serem apenas um pedaço de papel se não passarem no Congresso, ou se uma Presidente Clinton recuar no compromisso, o Partido Democrata tem hoje "o programa eleitoral mais progressista da sua História", como salienta Sanders.

Mas nesta manifestação não páram de nos dizer que aqui toda a gente pensa pela sua cabeça. Todos agradecem a Sanders por ter unido milhões de pessoas à volta do salário mínimo, das causas ambientais, de maior transparência no sistema eleitoral. Mas nem todos aceitam a ideia de que na política, por vezes, é preciso dar pequenos passos para não se partir as duas pernas logo na partida.

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A torrente de ódio e desprezo por Hillary Clinton entre muitos destes manifestantes impressiona mesmo quem conhece o contexto. Mas ao vivo é outra coisa: há mais manifestantes na convenção do Partido Democrata unidos sob o lema NeverHillary (Hillary Nunca) do que manifestantes anti-Trump na convenção do Partido Republicano, na semana passada, em Cleveland.

Ninguém sabe o que vão fazer os mais fervorosos apoiantes de Sanders quando chegar o dia das eleições, a 8 de Novembro, mas por esta amostra muitos deles só contemplam duas opções: ou votam nos Verdes de Jill Stein, ou querem lá saber se Donald Trump ganha as eleições. A narrativa do menor dos dois males morreu e o funeral está a ser feito na Broad Street, a caminho da convenção do Partido Democrata.

Sentado num banco improvisado à espera que a marcha comece, T-shirt preta com a palavra "socialismo" escrita a amarelo, Josh diz que vai votar em Jill Stein, e põe um ar cansado mesmo sem se dar conta quando lhe perguntamos se isso não ajuda Donald Trump. "Olha, eu ouço essa história desde as eleições de 2000, quando o Ralph Nader [dos Verdes] foi acusado de ter dividido o voto no Partido Democrata e de ter facilitado a vitória de George Bush. É tempo de construirmos uma alternativa ao sistema bipartidário neste país. Os dois partidos estão sempre na mesma equipa", diz Josh, 31 anos e residente em Providence, Rhode Island.

A marcha de 12 quilómetros arranca e quase parece que estamos de volta ao pavilhão Quicken Loans, em Cleveland, onde os delegados do Partido Republicano não se cansavam de gritar "Prendam-na" sempre que se ouvia o nome de Hillary Clinton,

Um jovem com um lenço preto a tapar a cara, T-shirt dos Iron Maiden e bandeira vermelha na mão, faz questão de dizer que não é estalinista mesmo sem ninguém lhe perguntar nada; um cartaz atira todas as culpas para cima do Partido Democrata se Donald Trump for eleito; outro diz "Hillary Nunca. Não voto no jogo da corrupção"; e há muitas, muitas referências aos e-mails revelados sexta-feira pela organização WikiLeaks.

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Enquanto dois gigantescos charros do tamanho daqueles bonecos que agitam os braços à beira da estrada são levados em ombros pelos defensores da legalização da marijuana, e uma banda brasileira anima a Broad Street com samba, uma figura destaca-se nesta massa de jovens: é Ray Lewis, um ex-capitão da polícia de Filadélfia que se reformou há 12 anos e que aparece em manifestações do movimento Occupy e do grupo Black Lives Matter, fardado a rigor como se tivéssemos viajado até ao passado.

A foto de Lewis a ser detido por polícias em 2011, num protesto do movimento Occupy, só não se tornou viral porque isso ainda não era uma "cena" há cinco anos, mas esta semana ele está aqui para apelar ao voto em Jill Stein, dos Verdes.

"Estou muito desiludido com o Bernie Sanders. Hoje veio dizer que vai apoiar activamente a Hillary Clinton na campanha. Eu votei nele nas primárias e sinto-me traído. Ele tinha toda a América com ele e estragou tudo."

Ray Lewis é mais um que está pouco interessado na teoria do mal menor, e tem uma outra mais curiosa: "Talvez seja bom que Trump ganhe. Assim talvez as pessoas vejam a podridão disto tudo e percebam que precisamos mesmo de um terceiro partido. Esqueçam o Partido Democrata, esqueçam o Partido Republicano, nós precisamos de um terceiro partido forte."

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