“Não me dou bem no papel de menino do professor Marcelo”

Pedro Duarte, 43 anos, ex-deputado, secretário de Estado, director de corporate affairs da Microsoft desde 2011, fala ao PÚBLICO a pretexto do 42º aniversário da JSD, que liderou de1998 a 2002. E fala de memórias, do futuro e e da inquietude que o faz manter um pé na política.

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No último congresso do PSD, em Abril deste ano Adriano Miranda
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No último congresso do PSD, em Abril deste ano Adriano Miranda
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Nos últimos tempos como deputado Miguel Manso
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No congresso em que conquistou a liderança da JSD na Figueira da Foz, em 1998 Paulo Rocha
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Em 1996, entre Luís Filipe Menezes e Jorge Moreira da Silva e Lucas Pires DR
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Pedro Duarte na infância DR

“O dia mais feliz da vida da minha mãe foi quando lhe disse que ia deixar a política”, diz Pedro Duarte, meio a brincar, meio a sério. Não terá sido exactamente esse, mas o filho pressentiu o imenso alívio causado pelo anúncio. Estávamos em 2011 e Pedro passara os últimos 4253 dias (11 anos e meio) como deputado, fora os anos em que se dedicara à JSD, praticamente desde o liceu.

Os pais – ele professor de História e ela farmacêutica – nunca o tentaram impedir de entrar na política. Quando, aos 14 anos, chegou a casa a dizer que ia integrar uma lista apoiada pela JSD à associação de estudantes da Escola Scundária Clara de Resende, no Porto, não houve nem entusiasmo nem desinteresse. “Os meus pais davam-me muita autonomia. Gostavam de ouvir a história, mas não me faziam muitas perguntas. Deixavam-me tomar as decisões, havia o princípio da confiança: se achas que estás certo, avança”.

Assim foi, Pedro Miguel de Azeredo Duarte avançou e quando deu por ela estava a acabar o curso de Direito, na Católica do Porto, e a ser convidado para se candidatar a deputado. Não aceitou. “Não era o timing certo”, diz. Sem padrinhos políticos, sem ser ‘ista’ de ninguém, como assume nesta entrevista, foi subindo na hierarquia até chegar a líder da JSD, aos 25 anos.

A primeira vez que se candidatou à liderança da JSD foi contra Jorge Moreira da Silva, que sucedera a Pedro Passos Coelho?

Sim, e perdi. Foi em Janeiro de 1998. É uma história gira. Candidatei-me contra ele num congresso muito estranho. Ele ganhou. Era o presidente em funções, já tinha ganho como candidato único depois da saída do Pedro Passos Coelho e voltou a concorrer para ser reeleito. Eu candidatei-me contra ele. Perdi, mas foi uma derrota um bocadinho esquisita, porque perdi por 13 votos. Na altura não falei sobre o assunto, mas hoje já posso falar. O congresso foi em Viseu e, na segunda noite, de sábado, ambos fizemos as nossas intervenções. Ele fez a intervenção dele e recebeu umas palmas de uma parte dos delegados. Eu fui discursar a seguir e tinha claramente não só a maioria de observadores, mas sobretudo a maioria dos delegados.

O que se passou então, para perder?

Ora, na altura havia umas coisas que eram delegações de votos, relativas a votos dos Açores e da Madeira, e que apareceram à última hora. Eram umas sessenta e tal menções de voto. Apareceu uma pessoa da Madeira a dizer. "Eu tenho aqui ‘x’ delegações". Perdi por 13 votos, mas toda a gente percebeu que tinha sido uma coisa estranha. Isso fez com que no conselho nacional imediatamente a seguir o Jorge Moreira da Silva caísse.

Como?

Houve uma moção de censura e ele caiu. Portanto, passados seis meses, fui presidente da JSD. Nem me recordo se a moção chegou a ser votada ou se ele se demitiu antes. Eu candidatei-me depois numa lista única e tornei-me presidente da JSD, num congresso na Figueira da Foz.

Como ficou a vossa relação depois disso?

Acabou por ficar boa. Como sempre disse, ele é um quadro válido. Na altura não tinha o perfil de liderança de que a JSD precisava, o que não quer dizer que não tivesse outras características muito boas. Aliás, eu depois convidei-o para presidente da mesa do congresso e indiquei-o para candidato da JSD ao Parlamento Europeu, com muitos dos meus apoiantes a não gostarem.

O OUTRO CONGRESSO NA FIGUEIRA

Não foi só o congresso em que Cavaco Silva foi eleito líder do PSD que ficou na história da Figueira da Foz. Anos depois, outro, da JSD, deu muito que falar. Foi o congresso da eleição de Pedro Duarte, sem concorrência interna.

Porque é que esse congresso teve história?

Teve uma história interessante, porque, na altura, o presidente da Câmara era o Pedro Santana Lopes, que era um putativo opositor do presidente do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa. Eu tive imensas pressões para não fazer o congresso na Figueira da Foz, porque isso poderia ser um sinal de que estava com um e não estava com outro.

E com quem estava, realmente?

Não estava com ninguém. A JSD não podia estar ligada a esse tipo de coisas. Cooperação total com o presidente do partido, mas não mais do que isso. E, de facto, fui sensível ao argumento de que se devia procurar outros sítios para não arranjar problemas ao partido, porque a escolha da Figueira da Foz não tinha nenhuma razão política especial.

Mas o congresso não se realizou lá?

Realizou, porque entretanto saiu uma notícia a dizer que o PSD tinha imposto à JSD uma mudança de local ou algo parecido. E na sequência de o PSD ter dito que não ia apoiar financeiramente o congresso, houve umas declarações minhas a dizer que o congresso seria na Figueira da Foz, nem que montássemos umas tendas. Na altura, o impacto da JSD era outro. "Não há problema, fazemos numas tendas de campismo, mas da Figueira da Foz já não saio", disse eu. Aquilo tudo também tinha a ver com o facto de a JSD ter de salvaguardar a sua autonomia em relação ao partido. Claro que depois se disse, durante muito tempo, que o presidente do PSD não iria ao congresso e não iria ao encerramento, como era habitual.

Mas o convite seguiu, ou não?

O convite seguiu, claro, tudo dentro da normalidade, mas nós escolhemos também um convidado externo para o encerramento que foi o...

Santana Lopes?

Não, o Santana fez a abertura, como autarca local. Para o encerramento convidámos o Ramos Horta, que tinha sido Nobel da Paz – Timor era uma causa que a JSD quis abraçar.

E o Marcelo?

O Marcelo também apareceu e correu tudo bem, com o Santana a assistir. 

Isso aproximou-o de algum dos dois, na altura, ou nem por isso?

De nenhum em particular. Talvez do Santana Lopes, porque ao contrário do que alguns diziam, que eu tinha escolhido a Figueira da Foz por ser santanista, eu nem o conhecia pessoalmente. Ele fez-me um grande elogio na intervenção inicial, mas foi por causa disto que falámos pela primeira vez. Ele ouviu-me falar na televisão, pediu o telefone a alguém e telefonou-me sem me conhecer. Não havia nada na altura. Aproximou-nos nesse sentido, mas não do ponto de vista político. 

Chama-lhe santanista. Quando foi para o Governo de Santana ficou conotado…

Já me chamaram "ista" de muita gente, o que não quer dizer que me sinta como tal. Quando trabalho com alguém, sou leal e já trabalhei com muitos líderes do partido.

Tem algum como referência?

Não. Tenho características de vários como referência, mas não há um com quem eu possa dizer que me identifico totalmente.

De que gosta em cada um?

Começando pelo fim: o espírito de independência e a resiliência do Passos Coelho. É alguém que está na política pelas boas razões, tem uma ideia para o país, acha que pode contribuir para o melhorar o e é isso que o move, nada mais do que isso. A frontalidade e a determinação da Manuela Ferreira Leite, uma mulher corajosa. A perspicácia e inteligência do Marques Mendes. [Pedro Duarte prossegue sem notar que se esqueceu de Luís Filipe Menezes, de quem foi director da campanha interna.] O sentido estratégico do Durão Barroso. É uma pessoa que sempre pensou muito bem a médio prazo e a carreira que tem feito acabou por provar isso. A irreverência, nalguns aspectos, e a capacidade inspiracional do Santana.

Mais alguém?

Ia acabar no Marcelo, que é, de facto, uma figura acima da média. É diferente de todas as pessoas que eu conheço. É superiormente capaz e é um homem cheio de qualidades. Acima de todas tem uma, que não é a mais reconhecida, que é a sua capacidade excepcional de perceber os outros. Sem grande dificuldade e em fracções de segundo, consegue perceber com quem lida. Isso é útil quando se anda a distribuir afectos, como ele diz, mas também quando se tem de conseguir esta posição institucional de equilíbrio que tem tentado mostrar.

O FACTOR MARCELO

Tem as melhores referências de Marcelo Rebelo de Sousa, de quem diz ter uma “inteligência emocional brutal”, mas mesmo assim não se assume como marcelista.

Reconhece o Marcelo no Presidente, ou Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu-o?

Depois de ter convivido com ele na campanha, não me surpreendeu nada. Antes não o conhecia tão bem, nomeadamente esta faceta. Sabia que era um homem inteligente, brilhante, com uma capacidade de trabalho excepcional, com uma capacidade de sociabilidade tremenda, mas a outra parte conheci melhor na campanha, quando trabalhei com ele.

O que é que pensou quando ele o convidou? Estava  à espera?

Não estava nada à espera, mesmo. Mas ele não tinha muito tempo para encontrar alguém que tivesse alguma experiência, mas que estivesse fora da lógica do aparelho partidário, alguém que não fosse usar aquele palco para outro fim qualquer que desvirtuasse o princípio da candidatura, que era independente. Talvez tenha sido porque eu tinha esse perfil: comecei muito cedo, tive muitas horas de vida política, mas foi uma fase da minha vida que passou. Estou fora da política desde 2011, há cinco anos.

Mas continua a meter medo a muita gente. Nunca se imaginou como líder do PSD?

Não... [Pausa] Estou a hesitar porquê? Porque talvez seja mais sério dizer o seguinte: ainda não. Tenho a minha vida muito distante da vida política activa, gosto muito do que estou a fazer profissionalmente, estou a aprender muito e sinto-me realizado. Mas é óbvio que sinto uma inquietude cívica que me leva a estar aqui a falar consigo, por exemplo. Houve uma altura em que tive uma intervenção mais activa e disso saturei-me um bocadinho. Se estou a pensar ou a trabalhar para voltar, não, não estou. Se admito vir a dar o meu contributo ao país, num dia em que sinta que a minha vida está numa circunstância diferente, isso pode ser algo para reflectir. Mas não é coisa que eu ande a preparar.

Na sequência da eleição do professor Marcelo, de quem foi director de campanha, muitos acharam que seria um herdeiro dos seus votos. Ninguém falou consigo sobre isso?

Com seriedade, não. Até porque eu não sou “ista” de ninguém. Não sou marcelista, apesar de o admirar muito. Não me dou bem no papel de menino do professor Marcelo. De facto, não sou. Ele próprio percebe isso bem. Sabemos ambos quais são os limites, as fronteiras. Se um dia me passar alguma coisa pela cabeça, será porque eu tenho uma ideia para o país e sinto que posso executá-la. Será por mim, não será para ir em nome de outros.

O AUTÓGRAFO DE SÁ CARNEIRO

Antes da JSD, antes de toda a política que veio com a adolescência, o pequeno Pedro - que gostava de passar as férias de Verão na casa dos avós maternos, em Baião, que andava de bicicleta e jogava à bola no meio da rua, que lia jornais como gente crescida – teve um encontro imediato com Sá Carneiro que envolve um prato de papel e uma sardinhada, no Algarve.

Qual é a sua primeira memória política?

A campanha do Freitas do Amaral, acho eu. E depois lembro-me da noite da morte de Sá Carneiro. Era muito miúdo, mas lembro-me do drama que se sentiu em casa, recordo-me de terem aparecido as imagens na televisão de repente, de terem parado a emissão. Tenho assim uns flashes.

Fazia ideia de quem ele era?

Claramente, porque o meu pai era grande admirador. Mas não tinha noção do pensamento político dele, nem da sua acção. Sabia que era primeiro-ministro. Aliás... há pouco estava  fazer confusão. A campanha de que me lembro é a de 80, da AD. Essa sim, é a primeira memória que tenho. Eu tinha sete anos. Lembro-me de ter visto um comício com o meu pai, passámos de carro. Era na praça em frente à câmara. Havia um ajuntamento, havia carros, podia ser uma caravana. A memória que tenho é difusa. Tinha uma bandeira da AD.

 Portanto, a primeira memória é a campanha da AD?

Há ainda uma memória anterior, de talvez 1978 ou 1979. Estávamos de férias no Algarve e cruzámo-nos com o Sá Carneiro num sítio qualquer. Jugo que era uma iniciativa do PPD num sítio público, uma sardinhada, estava um calor imenso. Não havia muita gente. Vimos o Sá Carneiro e eu pedi-lhe um autógrafo naquilo que lá havia e que era um prato de papel. Portanto, tenho um autógrafo do Sá Carneiro num prato de papel. Isso guardei até hoje. Na altura não me pareceu momento político. Era uma pessoa conhecida. Só mais tarde tive noção de quem era o autógrafo.

A sua maior influência política, quem foi?

Era muito miúdo e gostava de ler o jornal. As pessoas olhavam para mim a rir, apontavam e eu até me sentia um bocadinho mal. Mas gostava de acompanhar a actualidade e a política. Acho que fui muito influenciado pelo meu pai, apesar de ele dizer que só entrou uma vez numa sede de um partido, o PSD, nos primeiros anos de democracia.

De que partido era?

Era social-democrata, digamos assim, gostava muito do Sá Carneiro, mas nunca teve nenhuma intervenção. Nunca quis influenciar-me deliberadamente, não me lembro de alguma vez me ter tentado convencer ou persuadir a ser do PSD. Mas eu ia ouvindo a opinião dele e de outras pessoas, ele também gostava de acompanhar, de ouvir as notícias. Talvez venha daí. Para mim, a política foi quase genética, não apareceu a partir de um momento, esteve sempre lá. Quando vi a oportunidade de ter uma intervenção através da associação de estudantes, achei que era uma coisa aliciante e aderi imediatamente a essa hipótese.

Que idade tinha?

Tinha 14 anos quando entrei para a associação de estudantes. Talvez com 15 inscrevi-me na JSD, mas nos órgãos dirigentes devo ter entrado aos 16.

O PROCESSO DE ALBERTO JOÃO

Durante os quatro anos em que foi presidente da JSD, Pedro Duarte casou-se (entretanto divorciou-se) e passou a viver em Lisboa, primeiro dois ou três dias por semana e depois, já deputado, nos dias úteis. Começou por partilhar casa com parlamentares, ainda hoje partilha. “Já estamos na mesma casa há muito tempo. Mas eu já sou o mais antigo”, conta. Começou com Pedro Pinto, com Hermínio Loureiro e com Sérgio Vieira. Actualmente vive com dois deputados e um advogado: Emídio Guerreiro, Pedro Alves e Paulo Cutileiro. 

Qual diria que foi a sua marca na Jota?

Há uma que as pessoas apontam e que tem a ver com o facto de ter inovado muito na forma de fazer política. Por exemplo, ainda antes de termos sido os primeiros a emitir em directo um congresso partidário, fomos a primeira força política em Portugal a ter um website. Hoje parece uma coisa para rir, mas na altura era revolucionário.

JSD.pt?

Sim. Para registarmos foi dramático, porque nem se sabia muito bem o que é que havia de registar, porque nós nem tínhamos número de contribuinte próprio, usávamos o do PSD. Era muito inovador. O partido não tinha. Nem o PSD nem nenhum outro. A forma de comunicar, de fazer política, em certo sentido, foi diferente a partir daí. Na altura, fizemos um projecto político para a juventude portuguesa que era quase um programa de Governo e que nos levou a andar, durante meses, pelo país a recolher contributos. Fizemos fóruns na Internet, relativamente pouco participados porque eram ainda muito limitados na altura. Assim a contar parece que foi há muito tempo, mas foi no ano 2000. É uma marca que as pessoas me atribuem e que talvez tenha sido a mais visível.

Há outras?

Para mim, há outro lado que foi fundamental e que teve a ver com a fase de afirmação de autonomia muito grande. A JSD era uma consciência crítica do partido com intervenção directa nos temas do dia-a-dia. Uma das bandeiras que assumimos foi o combate à toxicodependência e eu lembro-me de ser deputado e, no meu primeiro mandato, levar ao parlamento um projecto-lei que foi a votos e foi chumbado. O Almeida Santos, ao anunciar os resultados, até fez uma piada porque dizia: "Projecto-lei não sei quantos barra não sei que mais do PSD (porque eram deputados do PSD que assinavam) reprovado com os votos contra do PSD e votos a favor do Bloco de Esquerda e três deputados do PSD, que éramos os três da Jota. Nós lançámos a discussão.

Era a irreverência própria da juventude…

Houve outras alturas, na JSD, em que este movimento de ter voz própria, massa crítica e autonomia chateou algumas pessoas. Uma das coisas de que me orgulho é de ter tido um processo de expulsão de militante do partido enquanto era presidente da JSD, interposto pelo companheiro e amigo Alberto João Jardim.

Como foi isso?

Houve um momento em que, por causa de Timor, quando se estava a aprovar um apoio qualquer de Portugal para a reconstrução, o Alberto João Jardim fez uma declaração quase racista a dizer que, enquanto houvesse portugueses em dificuldades, não devíamos estar a apoiar os outros. Na altura eu, e outras duas pessoas do PSD, o Aguiar-Branco e o Paulo Teixeira Pinto, fizemos declarações públicas a demarcar-nos, mas uma coisa relativamente calma, e fomos vítimas do Alberto João. Eu disse que não me revia, não fui mais longe que isso. E o Alberto João, numa conferência de imprensa na Madeira, resolveu insultar-nos.

Chamou-vos nomes?

A mim chamou-me "o pateta do presidente da JSD". Aí, eu não me fiquei. Já não me lembro que lhe chamei, mas chamei-lhe um daqueles nomes violentos. Em função disso, pôs um processo no Conselho de Jurisdição Nacional, que na altura era presidido pelo Carlos Encarnação, um grande amigo seu. Para mim é uma medalha, mas o processo nunca andou.

Quem era o líder do partido?

Era o Durão Barroso. Nesse ano houve a rentrée, em Coimbra, e por pressões do  Alberto João Jardim, que era vice do partido, o presidente da JSD não foi convidado a discursar. Eu disse: "OK, não há problema nenhum, mas o presidente da JSD só vai para falar, não vai para bater palmas. Portanto, vai a minha comissão política nacional toda, mas eu não vou e vamos fazer a nossa própria rentrée." E fizemos, também em Coimbra, 15 dias depois, e não convidámos o presidente do partido. São episódios caricatos, mas era uma forma de marcarmos posição.

A PASSAGEM PELO GOVERNO

Em finais de 2004, já depois de Durão Barroso ter trocado Lisboa por Bruxelas, Pedro Santana Lopes convidou-o para secretário de Estado da Juventude. Aceitou. Durante quase oito meses foi governante. Começou logo a faltar à primeira reunião com o chefe de Governo porque a sua primeira filha nasceu nesse dia: 30 de Julho de 2001. A segunda nasceria em 2007.

Onde é que estava em Dezembro de 2001, quando Guterres se demitiu?

Estava na sede do partido. Lembro-me de o ter ouvido falar no pântano, levantei-me, fui bater à porta do presidente, que era o Durão, abri a porta e disse: “Prepare-se!” Ele próprio ficou surpreendido. Lembro-me da cara dele. Ninguém estava à espera.

Dois anos depois, quando Durão Barroso saiu, o que é que pensou?

Sinceramente, e eu sei que não é politicamente correcto dizer isto, entendi-o. Não é uma  decisão simples, não sei se eu a tomaria, mas percebo. Era uma oportunidade  interessante de ter um cargo institucional na Europa que, como se veio a demonstrar mais tarde, tinha tanta ou mais interferência na vida dos portugueses do que o de primeiro-ministro. São oportunidades que se têm uma vez na vida.

Quando aceitou ser secretário de Estado achou que ia ficar muito tempo?

Eu tinha a expectativa de que fosse possível dar a volta. Mas o Santana entrou ferido como primeiro-ministro, isso foi claro.

O que o levou a participar nesse Governo, sabendo disso?

Para estar na política é preciso acrescentar alguma coisa, dar alguma coisa aos outros, em vez de estar para fazer carreira. A política é a minha forma de contribuir para a comunidade. A determinada altura, achei que podia acrescentar alguma coisa numa função executiva, dar o meu contributo ao país.

E o que diz a voltar a ter uma experiência dessas numa câmara como a do Porto? No congresso foi desafiado a candidatar-se.

Interpretei esse apelo como sendo algo natural na vida partidária, no jogo político do dia-a-dia. Mas eu sinto-me muito longe disso. Lançar-se uma candidatura autárquica no meio de um congresso pode ser bom para mobilizar, mas um presidente de câmara tem de ser alguém que tenha um projecto para a cidade, alguém que queira mudar algumA coisa, e eu nunca perdi tempo a pensar nisso.

Nunca pensou em ser presidente de câmara?

Não, nunca pensei nisso. Vou pensando na minha cidade que é o Porto. Muitas vezes ando por lá e penso no que podia ser melhor ou pior, mas é só mesmo isso é uma coisa muito longínqua.

O FUTURO DO PSD E DO PAÍS

Repete que está fora da política e confortável com a vida que tem, como director de corporate affairs da Microsoft, para onde entrou por “acaso”. “Tenho agora uma rotina bastante diferente. Na Microsoft não há horário nem posto de trabalho, cada um senta-se onde houver lugar quando chegar. Viajo mais do que viajava, uso muito o Skype e falo muito inglês, é a língua oficial da empresa.” Porém, continua atento.

Quem é que vê, no PSD, na linha da sucessão? Está difícil?

Está! Agora vou parecer politicamente correcto, mas o Passos Coelho tem uma legitimidade histórica para ser presidente do PSD. Foi primeiro-ministro durante quase cinco anos, num momento muito difícil do país, e a verdade é que ganhou as eleições. Isso confere-lhe legitimidade até ao fim do mandato.

Parece-lhe que ele não tem pressa?

Parece, mas acho isso positivo. O Governo tem de mostrar o que vale. Ele  deve alertar quando as coisas estão erradas, deve fazer uma oposição afirmativa e firme e deve preparar uma alternativa e apresentá-la, mas não deve estar na oposição com o intuito de derrubar o Governo.

Estando então fora da política, porque é que foi ao congresso do PSD abanar as hostes?

Não sou de facto um político normal, talvez o que tenha acontecido no congresso foi ter expressado o que outras pessoas pensavam. Mas fi-lo sem estar a pensar nas consequências. Se tivesse veleidades políticas, isso, se calhar, tinha-me prejudicado. O que disse ali e nas vésperas foi algo relativamente óbvio. O partido tem de estar orgulhoso do que fez no passado, mas tem de perceber que os tempos são outros e que há receitas que não funcionaram. Isso está aos olhos de todos. E portanto tem de se reinventar um projecto político novo para o país.

A solução do actual Governo não serve? 

Do meu ponto de vista não! Achar-se que é com a reversão das coisas boas que se fizeram, como a reforma do mercado laboral, por exemplo, que se salva o país é ridículo. E ver a solução no modelo económico que vai buscar o crescimento ao consumo privado é suicida. Já se experimentou no passado e não resultou. Há uma terceira via e o PSD deveria protagonizá-la.

Qual é esse caminho?

O que eu defendo, sem a arrogância de achar que tenho a solução mágica no bolso, é o recentramento. O país tem de se recentrar. Há políticas orçamentais que podem ser um pouco mais expansionistas nesta fase. Mas também há reformas que devem ser feitas. O crescimento deve assentar no investimento, que só se faz de duas maneiras: libertando alguns recursos internos e captando investimentos estrangeiros.

Essa não é a receita de Bruxelas.

Aqui, tudo o que é receita da Comissão Europeia e da senhora Merkel é aplicada com uma convicção que não existe em relação a outro tipo de medidas. O PSD não pode ficar agarrado a uma solução que está cristalizada. O primeiro-ministro português tem o mesmo peso que a chanceler alemã. Há uma supremacia germânica que é absolutamente injustificada e que está a dar cabo da Europa. Terminado o programa de assistência, não há razão para termos esta inferioridade. O actual primeiro-ministro dá ideia de bater o pé, mas ainda não vi nada. Bate o pé na intervenção pública, mas não sei se não será só para consumo interno.

E o PSD está preparado para o futuro?

O PSD está  preparado para que o Governo ensaie uma crise política no curto prazo, em benefício próprio. Empurrar com a barriga como tem feito não se consegue durante muito tempo. É mais ou menos evidente que o Governo está em campanha eleitoral.

Qual é, nesse caso, o papel do PSD?

Disse-o no congresso: o papel do PSD é apresentar-se como uma alternativa, mas não como uma alternativa que seja o regresso a 2012. Tem de apresentar uma ideia diferente para o país, tem de ter uma postura diferente face às instituições europeias. O PSD devia ser mais arrojado. Mesmo quem acreditou que aquela era a solução ideal naquele momento, hoje em dia tem de perceber que é completamente diferente: temos uma inflação baixíssima, as taxas de juro são quase negativas, isso faz com que as medidas de austeridade não tenham o mesmo efeito.

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