O discurso do apocalipse

Trump (também) é candidato à Casa Branca porque foi subestimado desde o início

É normal os líderes partirem para as campanhas eleitorais prometendo uma visão de esperança no futuro. O slogan Yes, We Can de Obama, alicerçado no seu livro mais emblemático The Audacity of Hope ( A audácia da esperança), é talvez o expoente mais bem sucedido destas mensagens em momentos de mudança política. Até por isto a candidatura de Donald Trump marca uma ruptura com o histórico das campanhas um pouco por todo o mundo, ao optar por um discurso obsessivamente apocalíptico, como se ele próprio só pudesse existir num mundo mergulhado no caos e na desordem e a sua voz só sobressaísse se carregasse ainda mais nas cores do absurdo com que promete tingir o futuro. O presente é uma catástrofe, diz ele, mas se a sua promessa de “cumprir o impossível” se concretizar, o amanhã será ainda pior. Porque a sua visão para a América do futuro é um mundo fechado sobre si mesmo, com muros e expulsões, xenófobo, proteccionista, indiferente ao seu papel no mundo. Trump apresenta-se, basicamente, como o justiceiro, o homem que enaltece o “senso comum” e minimiza a formação académica, que dá eco ao desprezo popular pelo establishment mas cuja alternativa segue a arrogância impiedosa com que despede os candidatos no seu programa televisivo… Enfim, a agenda do candidato republicano à presidência dos EUA é preocupante ao ponto de muitas das vozes mais respeitadas do próprio partido não se conformarem com a sua investidura. Mas a verdade é que Trump chegou a Cleveland apesar dessa agenda e contra uma elite partidária cujos representantes foi derrotando um a um - 16 opositores, entre os quais três senadores, dois governadores e um Bush. Neste momento, é necessário dar-lhe tanto crédito na corrida para chegar à Casa Branca, como foi subestimada a sua cavalgada para a nomeação. Ele provou que o apocalipse dá dividendos, sobretudo quando o medo parece ser cada vez mais o refúgio de quem já perdeu a esperança.

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