Uma educação (anti)democrática

É preciso que os cidadãos sejam activos, críticos, e interessados na gestão da coisa pública

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Breather/Unsplash

O modelo de educação que prevalece em Portugal não serve a democracia. A democracia tem que ser mais que um regime em que elites manipulam as massas na competição pelo voto popular: é preciso que os cidadãos sejam activos, críticos, e interessados na gestão da coisa pública. Tal sociedade só se atinge com uma educação democrática. Porém, o nosso paradigma de educação está muito longe de ser democrático.

É durante a nossa infância e juventude que adquirimos os hábitos que orientarão a nossa vida adulta. Viver em democracia implica a consciência de que apesar de termos opiniões diferentes, podemos debater civilizadamente e mesmo cooperar para atingir objectivos comuns. Na escola, os hábitos incutidos são geralmente hábitos anti-democráticos. Desde logo, a expressão oral é claramente desencorajada. O indicador principal da disciplina é uma sala silenciosa, em que apenas se ouve a voz do professor. A democracia depende de cidadãos capazes de se expressar coerente e racionalmente, mas nas escolas reprimimos a oralidade porque é mais importante garantir a obediência – outro valor essencial para o súbdito de uma ditadura.

Em segundo lugar, o objectivo declarado deste paradigma é que os alunos aprendam os conteúdos. Esta visão é profundamente anti-democrática.. “Conteúdos” é uma expressão que nos remete para uma visão do aluno como recipiente, como uma caixa vazia a preencher com factos pré-selecionados e não questionados. Ao invés, o que uma educação democrática deve promover é a apresentação de hipóteses aos alunos, explicando as razões que os podem levar ou não a aceitá-las, sempre com o aviso de que todo o conhecimento é provisório e de que é só ao desafiá-lo que a ciência e a humanidade progridem.

Em terceiro lugar, esta forma de ensino apregoa a ideia de esforço. Aprender, assume-se, é uma actividade dolorosa que os alunos devem ser obrigados a empreender, sob pena de serem rotulados de incapazes e, em última instância, relegados para as margens da sociedade. Não tem de ser assim. O ser humano retira prazer da aprendizagem – por isso é que as crianças gostam tanto de explorar o ambiente que as rodeia. Matar a curiosidade natural e reduzir a descoberta a mero trabalho num ambiente opressivo é um crime pedagógico. Não quero com isto dizer que a criança deve apenas aprender aquilo que quiser, mas compete aos educadores encontrar formas de provocar no aluno o interesse pelas mais variadas matérias. Pode parecer mais fácil, a curto prazo, fazer a criança memorizar coisas em obediência à nossa autoridade, mas a longo prazo isso não é nem eficaz nem desejável.

O paradigma vigente na nossa educação tenta fazer-se passar por “neutral” – afinal, só procura que as crianças aprendam “factos.” Na verdade, este sistema, que falha mesmo nos objectivos a que se propõe (basta pensarmos no quão rapidamente nos esquecíamos da matéria que havíamos memorizado assim que acabávamos de fazer o teste), está ao serviço de uma sociedade industrial, em que cada um se deve preparar tecnicamente para desempenhar uma profissão – ocupar o seu lugar na cadeia de produção – e ao serviço de uma sociedade que procura manter os cidadãos passivos e entretidos para que não exijam mais dos seus representantes políticos.

Por estas razões e por muitas outras, é urgente que comecemos a debater educação a sério em Portugal. E com isto quero dizer, que comecemos a colocar-nos a questão fundamental: “para que serve a educação?”

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