A hora da pessoa

É hora de tentar compreender e decifrar melhor um problema que não é só francês, nem europeu

Depois do horror indiscritível e da dor provocada pelo ataque terrorista de Nice, além das questões de perfil securitário óbvias, é hora de tentar compreender e decifrar melhor um problema que não é só francês, nem europeu.

Um atacante – Mohamed Lahouaiej Bouhlel – de 31 anos, empregado, com três filhos, de nacionalidade francesa e tunisina. Na força da vida e integrado. Mas quem faz o que Bouhlel fez só pode estar integrado aparentemente. No final de uma discussão com um amigo, na passada quinta-feira, respondeu: 'Um dia vais ouvir falar de mim!'"

E ouvimos todos. E é tão estranha esta questão de uma pessoa com óbvios problemas/distúrbios pessoais os querer “resolver” através da morte em massa de inocentes. Independentemente da questão da reivindicação de uma eventual ligação jihadista formal ao crime.

Mas para além das também óbvias questões políticas e de domínio ou poder pela posse da renda, ou da tentativa de uma imposição irracional de uma dada crença religiosa pela violência, qual pode ser o pano de fundo essencial, qual a doença sociocultural crítica que esta síndrome galopante de violência de massas, essencialmente urbana, também pode revelar? Uma doença que faz o deserto na família humana.

Desse ponto de vista, creio que tem carradas de razão quem há muitos anos alerta para um contexto social e cultural disruptivo, “marcado por um crescente individualismo, pelo hedonismo e com muita frequência também pela falta de solidariedade e de apoio social adequado” (Papa Bento XVI, Abril de 2008 ).

Nesse contexto, diz Bento XVI, “ (…) a liberdade humana, face às dificuldades da vida, é levada na sua fragilidade a decisões em contraste com a indissolubilidade do pacto conjugal ou com o respeito devido à vida humana acabada de conceber e ainda albergada no seio materno.”

Como a decisão de abrir fogo sobre os participantes num concerto ou os calmos ocupantes de esplanadas simpáticas em Paris ou a de alugar um camião pesado e achar-se no direito de matar mais de 80 pessoas que, inocentes, muitas em família, festejavam divertidas o 14 de Julho.

E lembramo-nos da oração de Paulo VI em Fátima:

“(…) Homens, sede homens. Homens, sede bons, sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo. Homens, sede magnânimos. Homens, procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles. Homens, não penseis em projectos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projectos de conforto comum e de colaboração solidária. Homens, pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura; e recomeçai a aproximar-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo novo; sim, um mundo de homens verdadeiros, o qual é impossível de conseguir se não tem o sol de Deus no seu horizonte. Homens, escutai, através da Nossa humilde e trémula voz, o eco vigoroso da Palavra de Cristo: ‘Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra, bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus’.”

Advogado, conselheiro nacional do CDS

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