Ensaio sobre a solteirice

Parem lá de arrastar até ao altar os vossos entes queridos só porque a sociedade cismou que só se é saudável se se for casado ou comprometido. Nós, mulheres solteiras, não somos doentes moribundas, caídas na rua da amargura a pedir esmolas de carinho

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Ana Gabriel/Pixabay

Permitam-me que desabafe convosco sobre um assunto ao qual sou muito sensível — o estado civil. Não sei se acontece convosco, mulheres solteiras, ouvirem numerosas vezes comentários do género "Como é que uma mulher tão bonita e simpática como tu continua solteira?".

Tenho que admitir que me espanta (e me irrita profundamente) que em pleno século XXI ainda se considere a solteirice como uma doença grave e terminal contra a qual temos que lutar até à última gota de suor. Os amigos transformam-se em médicos do amor, especializados em crises de solteirice de longa duração, e impingem-nos encontros e apresentações como se de uma quimioterapia se tratasse. Não importa se ficamos carecas de tanto tentar, se enfraquecemos a nossa auto-estima e a nossa paciência a cada encontro mal pensado, se andamos constantemente nauseadas da quantidade monstruosa de francesinhas que ingerimos nos jantares a dois. O que importa é contra a solteirice marchar, marchar! A todo e qualquer custo obrigam-nos a combater o nosso estado débil: temos que nos vestir a rigor, usar aquele batôn vermelho, calçar os saltos de 15 centímetros, tirar o carro da garagem e conduzir até àquele restaurante xpto para estarmos duas horas a aturar alguém que não nos diz nada, não nos desperta nada, e se a coisa correr mesmo bem ainda tira gorilas do nariz mesmo à vossa frente. Mas hey, o que importa é tentar!

Não façam isso... parem lá de arrastar até ao altar os vossos entes queridos só porque a sociedade cismou que só se é saudável se se for casado ou comprometido. Nós, mulheres solteiras, não somos doentes moribundas, caídas na rua da amargura a pedir esmolas de carinho e atenção a todos os transeuntes que passam, por isso poupem os vossos estetoscópios e tensiómetros e percam o vosso tempo com quem realmente está necessitado de auxílio.

Solteirice não é sinónimo de doença, de problema, nem tão pouco de solidão. Podemos estar solteiras porque queremos, porque não sentimos necessidade de partilhar a nossa vida com ninguém, porque não temos tempo ou porque não estamos preparadas. Podemos estar solteiras porque ainda não nos apaixonámos ou porque a pessoa por quem nos apaixonámos não é merecedora do nosso compromisso. Existem milhentas razões para se estar solteiro que não se prendem necessariamente com o facto de nos fecharmos ao mundo. E dizer que não ao que não nos faz justiça não é nenhuma anormalidade — é amor-próprio.

Por isso, camaradas, não se sintam diminuídas por pertencerem ao grupo dos solteiros. Conheço imensas mulheres (e homens também, diga-se) bonitas, inteligentes, carismáticas e bem sucedidas que não têm parceiro e conseguem ser perfeitamente felizes assim. Também conheço mulheres com as mesmas qualidades que estão num relacionamento e se sentem profundamente tristes e sozinhas. E é só com as últimas que me preocupo. Então, quando vos perguntarem porque ainda estão solteiras, ergam esse queixo e orgulhem-se em responder “porque me sinto bem assim”.

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