Soul sem encenações nem artíficios, eis Jill Scott

Uma das vozes mais relevantes da soul de apelo clássico estreia-se em Portugal no festival EDP Cool Jazz. R&B dorido, em que uma voz inigualável expõe as agruras do amor.

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A cantora norte-americana Jill Scott chega a Portugal 15 anos depois da estreia com o álbum Who Is Jill Scott? Words and Sounds vol. 1, talvez o melhor registo de todos aqueles que foram lançados por cantoras da geração neo-soul. Será a abrir o EDP Cool Jazz, às 21h desta terça-feira, nos Jardins do Marquês de Pombal, em Oeiras, que esse primeiro encontro com o público português se efectuará.

Provavelmente, é concerto para passar em revista esses 15 anos, até porque existe uma compilação de êxitos no mercado – Golden Moments (2015) –, embora não custe acreditar que o espectáculo se desenrolará à volta do álbum de originais do ano passadoWoman. Ela que começou a carreira no final dos anos 1990, colaborando com os The Roots ou Common, cresceu nos bairros degradados de Filadélfia, tendo-se revelado nas sessões de poesia efectuadas nos clubes de jazz da cidade.

Em 2000, quando lançou o álbum de estreia, transformou-se de imediato numa das vozes mais importantes da soul contemporânea, tendo recebido vários galardões e sido aclamada um pouco por todo o lado. No ano seguinte viria a editar um álbum ao vivo, Experience: Jill Scott 826+, a que se seguiria uma surpreendente retirada de cena, em grande parte porque não foi capaz de gerir a sua rápida ascensão mediática.

“Já não tinha vida própria e achei que tinha de parar. Foi tudo muito súbito”, haveria de nos confessar em entrevista em 2004. No espaço de dois anos, dizia ela, “limitou-se a viver.” Casou, comprou casa e carro, arranjou um gato, preparou um livro de poesia, enfim, tentou ter uma vida comum, que acabaria por desembocar na edição de Beautifully Human: Words and Sounds Vol.2, um álbum de linguagem soul concisa e poesia intimista que reflectiam as experiências desse tempo da mulher Jill Scott.

Depois do êxito do primeiro álbum, poderia ter-se saído mal de uma segunda experiência. Mas saiu-se bem. Como era de esperar, não estávamos perante um disco revolucionário. Era um disco de continuidade, que voltava a inspirar-se na matriz clássica da soul, propondo-lhe subtis colorações, inspirando-se nas emoções do blues, na preguiça rítmica do hip-hop e nos cambiantes mais nocturnos do jazz. E depois, claro, no centro da acção, a sua voz. As canções-poemas falavam predominantemente dos pequenos prazeres, dos ambientes domésticos e familiares, um pouco na tradição idealista do gospel. Como todos os seus discos, era uma obra intimista, mas de grande apelo universal.

Na sua música, e na sua atitude, não há lugar para encenações ou artifícios. Tudo acontece como se Jill Scott dialogasse intimamente com o ouvinte, numa interlocução dinâmica com a tradição da música negra feita a partir de uma sonoridade lânguida, em que o seu registo vocal, entre o cantado e o recitado, nunca perde de vista a espontaneidade do momento e a naturalidade dos gestos.

Ao longo dos anos, aliás, não transformou muito a sua música. Existe nela um apelo clássico, embora não fique presa a modelos nostálgicos, não prescindindo de abordagens que revelam a ascendência do hip-hop ou das electrónicas. Mas acima de tudo o que fascina nela é a forma como canta numa espécie de R&B dorido, com a sua voz inigualável a expor as agruras do amor.

Mesmo quando as suas canções possuem um travo sombrio, a esperança está sempre presente, algo que diz transportar dos seus dias de igreja a cantar gospel. “Muita da música actual só se parece preocupar com aspectos negativos, mas mesmo os quartos mais escuros têm alguma luz. Não digo que nos devamos alhear da realidade à volta. Não acredito num mundo cor-de-rosa e acho que nos devemos zangar com aquilo que julgamos errado, mas não faz sentido ficarmos atolados nesses sentimentos negativos. É necessário olhar em frente e é isso que tento traduzir nas minhas canções. A maior parte das canções hoje em dia é sobre a forma como o dinheiro e o poder nos afectam, o que me parece muito redutor. A vida são muitas outras coisas”, dizia-nos em 2004.

É esta cantora soul, de voz quente e grave, capaz de cantar palavras de esperança sem iludir o lado mais ácido de existir, que dará início à 13.ª edição do EDP Cool Jazz. Na primeira parte, estará o veterano cantor americano Charlie Wilson, detentor de vários sucessos nos anos 1980 (de You dropped a bomb on me a Outstanding), numa linha onde o R&B se cruza com a música funk.  

Na quarta-feira é a vez da jovem inglesa Frances, que muitos comparam a Adele, entrar em acção no mesmo local, enquanto a 17 de Julho as atenções virar-se-ão para a Cinematic Orchestra, o projecto neo-jazzistico liderado pelo multi-instrumentista inglês Jason Swinscoe que, acompanhado por uma dezena de músicos, funde motivos do jazz, electrónicas e ritmos em câmara-lenta.  

A 20 de Julho, no Parque dos Poetas, o inglês de origem nigeriana Seal tratará de expor soul, rock e pop em canções que muitas gargantas sabem de cor. De regresso aos Jardins Marquês de Pombal, a 21 de Julho, é a vez da cantora jazz Stacey Kent, a que se seguirá a 23 o projecto gaulês Nouvelle Vague, com os suecos Koop Oscar Orchestra. 26 é dia de duplas: Omara Portuondo com Diego El Cigala, Luís Represas com Paulo Flores. O encerramento faz-se a 27 com a brasileira Marisa Monte, que convida Carminho.

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