O belga que nunca desistiu

Até àquele triunfo em Rodez, Greg Van Avermaet era alvo de todo o tipo de piadas.

Foto
Jean-Paul Pelissier/Reuters

"Já tinha vencido uma etapa no Tour [a 13.ª, no ano passado] e foi o triunfo mais importante da minha carreira, mas vestir a camisola amarela… Normalmente, os ciclistas como eu só podem sonhar com ela”. Quem conhece a carreira do persistente belga saberá que a franqueza não resulta de uma falsa modéstia, mas sim do exercício de humildade de quem soube sobreviver ao rótulo de eterno segundo.

Até àquele triunfo em Rodez, Greg Van Avermaet era alvo de todo o tipo de piadas, um pouco à imagem do homem que bateu sobre a linha nesse dia (Peter Sagan). Ao antigo guarda-redes da equipa de esperanças de Beveren, que decidiu seguir o exemplo do pai Ronald, seleccionado para representar o ciclismo belga nos Jogos Olímpicos de Moscovo1980, nunca faltou coragem. “Nunca desisto. Essa é a coisa mais importante na minha carreira” (esta é apenas uma meia verdade, porque, dias depois do seu triunfo na edição de 2015, abandonou a prova para assistir ao nascimento da filha, a quem entrega agora o distinto leão que premeia o líder da Volta a França).

Depois de um início de carreira fulgurante na Lotto (2007), com seis triunfos em duas épocas, incluindo um numa etapa da Volta a Espanha, o percurso vitorioso do belga, oriundo de Lokeren, na Flandres, estagnou. Tapado por Philippe Gilbert, um dos ‘classicómanos’ por excelência do pelotão, Van Avermaet viu-se forçado a trocar a equipa nacional pela norte-americana BMC.

O efeito foi imediato: em 2011, somou quatro vitórias e vários postos de honra em clássicas e provas de prestígio. O flamengo, que cresceu a pedalar sozinho, contra o vento e construiu uma casa nos bosques envolventes ao traçado da Liège-Bastogne-Liège, consolidava-se como especialista. Mas, por ironia do destino, o homem que quem fugiu seguiu-o até à BMC. Com a chegada de Gilbert, em 2012, o filme repetiu-se. A coabitação com o compatriota tornou-se complicada – ambos amavam as mesmas corridas, as mesmas encostas inclinadas favoráveis aos puncheurs, mas o antigo campeão do Mundo levava quase sempre a melhor. 2012 foi um ano terrível para Van Avermaet e o seguinte não foi melhor, apesar dos lugares de destaque que ocupou nas clássicas caseiras.

Contudo, foi em 2014 que a sua fama de eterno segundo nasceu, com os postos de vice na Omloop Het Nieuwsblad, na Volta a Flandres e numa etapa do Tour – houve três triunfos, mas esses não alimentam o mito -, consolidada na temporada seguinte com o segundo lugar na Strade Bianche, os terceiros lugares na Flandres e no Paris-Roubaix ou o quinto na Amstel Gold Race. A carreira do belga, de 31 anos, avançava e o seu currículo acumulava resultados de honra nas mais prestigiadas corridas do calendário. “Sou bom em todos os terrenos, mas não sou excecional em nenhum”, reconhecia. Como se tudo isto não fosse suficiente, nessa Primavera foi investigado por uma possível dopagem com ozono.

Com a mesma determinação que convenceu a federação nacional da sua inocência, agarrou a oportunidade de uma vida - a ausência de Gilbert do "nove" para a Volta a França. Astuto como um bom belga, respondeu àqueles que dele troçavam com a subtileza inscrita no seu perfil do twitter: “Trabalhar duro em silêncio, deixar o sucesso falar”. E ele está bem à vista, na mais bonita das camisolas, conquistada numa temporada na qual venceu, de modo surpreendente, o Tirreno-Adriático.

Sugerir correcção
Comentar