Em Constelações, a vida tem todos os desfechos possíveis

A peça encenada por João Lourenço retrata a condição humana e estreia-se esta quinta-feira no palco do Teatro Aberto.

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Pedro Laginha e Joana Brandão interpretam Rodrigo e Mariana Teatro Aberto/DR
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Constelações é a história de duas pessoas que se cruzam nos vários universos Teatro Aberto/DR

Em todos os universos, os astros alinham-se para que Mariana e Rodrigo se encontrem uma e outra vez, mas são infinitas as possibilidades de desfecho para este acaso. A conversa é rápida e passageira, um dos dois é comprometido, nunca mais se voltam a ver. Falam de tudo o que os inquieta e apaixona como velhos amigos e constroem uma relação feliz. São casados e enfrentam problemas extraconjugais que os levam a seguir rumos diferentes.

Foi com base na teoria do multiverso quântico, que propõe a existência de universos paralelos, várias dimensões do espaço e do tempo e várias versões de cada um de nós habitando cada uma delas, que o dramaturgo britânico Nick Payne escreveu Constelações, que se estreou em 2012 no Royal Court Theatre, em Londres. A sua história sobre duas pessoas que se cruzam em todos os universos, não importa o final que os espera, chega esta quinta-feira ao Teatro Aberto, em Lisboa, com encenação de João Lourenço e interpretação de Joana Brandão e Pedro Laginha.

“Esta peça é sobre o Homem, a vida e a morte e a esperança de que haja algo mais. Se vamos deixar de estar aqui, quem sabe estamos noutros sítios”, explica João Lourenço. O espectáculo, em que o encenador vê um retrato da “repetição diária” que constitui a vida humana, é composto de fragmentos da história das duas personagens, em que o espaço e o tempo não são lineares.

Somos, desde logo, convidados a aventurar-nos pelas várias dimensões que nos são desconhecidas: quase temos a sensação de estarmos imersos no espaço, flutuando no vazio preenchido pelas estrelas. É então que testemunhamos o primeiro encontro de Mariana e Rodrigo, uma cosmóloga e um apicultor, mas neste universo as coisas não resultam, porque ele revela que tem namorada. Mas, noutro universo, a relação dele terminou e os dois começam ali a escrever uma história de amor que se afigurará longa.

Assistimos ao pedido de casamento de Rodrigo a Mariana em cinco universos diferentes. No primeiro Mariana diz que tem que pensar. Noutra cena, pede-lhe que se levante imediatamente. No terceiro e no quarto universos, o discurso de Rodrigo não corre bem. O entusiasmo do “sim” chega, por fim, ao quinto pedido.

Há um universo em que a felicidade do casal é arrasada pela doença de Mariana, um tumor no cérebro que é uma barreira na articulação entre o pensamento e a linguagem e lhe causa dificuldades gramaticais. Confrontada com a morte, a única invariável no cenário das possibilidades, Mariana quer ter uma escolha e considera a eutanásia; noutra vida, o seu tumor é benigno e não tem de se confrontar com essa decisão.

É um vaivém de episódios que reúne as duas personagens, que têm tanto de diferente como de igual. Mariana, cosmóloga, bate-se diariamente pela busca do conhecimento e pela necessidade de provar os conceitos abstractos da mecânica quântica. Rodrigo, apicultor, convive diariamente com a Natureza e tem uma postura simples perante a vida. O questionamento de Mariana contrasta com a calma de Rodrigo em diversas situações e, em algumas delas, poderão ter uma relação de causalidade com os desfechos que se avizinham. Ou talvez não, porque os dois são as mesmas pessoas, com as mesmas personalidades, em ambientes diferentes. Quem sabe o universo em que estão tenha uma influência maior do que as escolhas que fazem. Afinal, como diz Mariana, "somos apenas partículas governadas por uma série de leis muito particulares, aos tombos por aí por todo o lado".

Constelações é uma viagem entre os altos e baixos da vida e das relações, que faz pensar na facilidade com que tudo começa, se transforma e acaba. É a concretização real da frase proferida quando algo corre mal: “Talvez noutra vida resulte”. E aqui pode mesmo resultar, porque Mariana e Rodrigo são como ímanes e, eventualmente, acabam por se encontrar no mesmo ponto, para serem felizes ou para nunca mais se verem.

Ao longo de dois meses de ensaios, as cenas foram reproduzidas uma e outra vez, elas próprias uma repetição de várias situações em que o diálogo e a linguagem corporal sofrem alterações. “Isto parece fácil para os actores, mas não é. Eles tiveram de pôr este texto louco nas suas cabeças”, diz João Lourenço. Foram definidos alguns espaços onde se passa a acção para que Pedro Laginha e Joana Brandão “se pudessem situar e fosse mais fácil”, mas foi preciso um grande “trabalho de improvisação”.

As experiências e emoções representadas são humanamente universais, mas João Lourenço reconhece que esta não é uma peça para o público que espera uma sequência com princípio, meio e fim. No entanto, desafia os espectadores a entrarem "no jogo da repetição, tão nossa e tão diária”. É que, se as situações são semelhantes, há sempre um desfecho novo por descobrir nas múltiplas vidas paralelas da história de amor de Mariana e Rodrigo.

Texto editado por Inês Nadais

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