Festival de Avignon começa com Os Malditos e a Comédie-Française

É o acontecimento da 70.ª edição do evento, que tem 40 espectáculos na programação oficial e mais de mil na programação paralela. Começa esta quarta-feira e decorre até dia 30.

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Imagens dos ensaios de Os Malditos ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/afp
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É o acontecimento do 70.º Festival de Avignon, o maior encontro teatral de Verão da Europa: o regresso, depois de 23 anos de ausência, da Comédie-Française com Os Malditos, a partir do guião do filme de Visconti, adaptado por Ivo van Hove.

"É um grande espectáculo, e ver que é a trupe da Comédie-Française que o leva à cena é algo que considero magnífico para a imagem desta casa”, regojizou-se esta quarta-feira em conferência de imprensa Eric Ruf, o responsável por esta instituição histórica.

Ivo van Hove, o belga que aos 57 anos já assinou uma centena de espectáculos, entre os quais várias adaptações de filmes como Rocco e os Seus Irmãos ou Ludwig, do mesmo Visconti, é considerado um dos gigantes europeus da cena teatral. Dirige o Toneelgroep em Amesterdão, uma das companhias mais inventivas da Europa, que, tal como a Comédie-Française, dispõe de um elenco permanente.

Os Malditos, filme estreado em 1969, conta a descida aos infernos, em 1933, de uma grande família alemã do ramo industrial proprietária de fábricas de aço cobiçadas pelo Terceiro Reich. “O espectáculo conta de forma muito clara como uma sociedade considerada como tendo chegado a um ponto de alta cultura, de grande progresso, que tinha uma grande democracia… como um país civilizado consente a barbárie”, recorda Denis Podalydès, que interpreta o papel de Konstantin, o filho mais jovem da família e membro das SA – a força paramilitar do partido Nazi, a Sturmabteilung.

A peça começa com imagens de arquivo do incêndio do Reichstag. Embora esteja situada claramente na sua época, tem “ressonâncias de hoje”, sublinha Ivo Van Hove. “Vemos por todo o lado na Europa, mas também no mundo, na América, um crescimento dos populismos e da extrema-direita. Há qualquer coisa que nos leva a reflectir quando um chefe de Estado, um político, nos diz para seguirmos os nossos sentimentos profundos, as nossas pulsões.”

Os Malditos são também uma tragédia familiar: Martin, o jovem herdeiro dos industriais, cai no nazismo por ódio à sua mãe, de quem não recebeu o amor que esperava. O jovem tem uma identidade sexual ambígua e é formidavelmente encarnado por um dos jovens actores franceses, Christophe Montenez, num elenco de alto nível (Guillaume Gallienne, Eric Génovèse, Elsa Lepoivre, Loïc Corbery...).

Ritual de morte

A escolha de Ivo van Hove para dirigir a companhia corresponde ao “desejo profundo de se confrontarem outros encenadores”, sublinha Denis Podalydès. Com o encenador belga, “estamos num mundo que cruza teatro e cinema de forma extremamente sábia e criativa e isso é apaixonante”.

Em palco, um cameraman evolui como um gato, filmando os actores, muitas vezes com grandes planos, cujas imagens são projectadas no ecrã no fundo do palco. “Filmar faz parte da sua estética do teatro. No ensaio tínhamos a sensação de uma rodagem, de estar num filme, com tempos de espera, a definição dos movimentos de câmara, a forma como interpretamos: sabemos que temos microfones, não procuramos a frontalidade, estamos sobretudo em movimentos cruzados”, descreve.

O processo fílmico não precede nunca o teatro, mas desenvolve as asas do drama, como no magistral Kings of War, de Shakespeare, levado à cena por Van Hove em Janeiro em Paris. “Não me interessa a técnica”, sublinha o encenador belga, "para mim o cinema está sempre lá para apoiar a interpretação dos actores”.

De 6 a 30 de Julho, estão programados 40 espectáculos em Avignon para o rol oficial do festival e mais de mil na programação paralela. Várias peças fazem eco da actualidade fervilhante, do recrudescimento dos populismos até ao drama dos migrantes.
 

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