Cem personalidades pedem alternativas à praxe

“Em democracia, deve haver sempre lugar à escolha, mas só é possível escolher se houver opção, ou seja, alternativas consistentes”, defende carta aberta. Alguns subscritores explicam o que os move

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A carta aberta sobre praxe académica surge no mês em que se iniciam as candidaturas ao ensino superior Diogo Baptista

Músicos e actores, escritores e cineastas, advogados, jornalistas, juízes, deputados, professores universitários... São 100 os nomes que constam da lista de assinaturas de uma “Carta aberta a todas as instituições de ensino superior”, que o PÚBLICO divulga em primeira mão. O tema é a praxe. Ou melhor: as alternativas à praxe a que, segundo os subscritores, os estudantes devem ter acesso quando entram numa universidade ou politécnico.

“Instamos todas as equipas dirigentes das universidades, politécnicos, faculdades e escolas superiores a criar, com carácter duradouro, actividades de recepção e de integração dos novos estudantes e das novas estudantes, ao longo do ano lectivo, que configurem uma alternativa lúdica e formativa às iniciativas promovidas pelos grupos e organizações de praxe”, lê-se na missiva que tem como título "Integração no Ensino Superior: a democracia faz-se de alternativas".

É assinada — entre muitos outros — por aquele que é considerado “o pai do Serviço Nacional de Saúde”, o ex-ministro António Arnaut, a "rapper" Capicua, a jornalista e presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Rio, a apresentadora de televisão e presidente da Associação Corações com Coroa, Catarina Furtado, os cineastas João Salaviza, Margarida Gil, Raquel Freire, os escritores José Luís Peixoto, Miguel Sousa Tavares, Luísa Costa Gomes, Inês Pedrosa, os militares de Abril Vasco Lourenço e Pezarat Correia, o advogado Celso Cruzeiro, a atleta Melissa Antunes...

“Sendo certo que nenhum estudante é formal ou legalmente obrigado a frequentar as actividades de praxe, seja em que faculdade ou escola superior for, a pressão para aderir é muitas vezes muito forte e em si mesma uma violência, e a ausência de outros mecanismos integradores é um facto”, lê-se ainda. “Em democracia, deve haver sempre lugar à escolha, mas só é possível escolher se houver opção, ou seja, alternativas consistentes.”

A juíza que recusou ser praxada

A juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, Clara Sottomayor, vive no Porto, onde costuma ver, com frequência, “estudantes na rua, de gatas, com penicos na cabeça, a proferir palavras humilhantes para eles próprios”. Diz que o que vê não só “não é pedagógico” como “não é um bom exemplo para a sociedade”. Por isso assinou a carta aberta.

Já no seu tempo de estudante, quando em 1983 entrou na Católica do Porto, deparou-se com algumas práticas que considerou incómodas — nessa altura as manifestações praxísticas saíam menos à rua, aconteciam dentro das instituições. “Havia uma fila para uma espécie de tribunal onde os estudantes novos eram julgados e depois obrigados a fazer coisas humilhantes.”

Hoje, a juíza, que é também professora convidada da Católica, recorda que chegou “a ser obrigada a ir para a fila”, mas pediu ajuda a um amigo mais velho que andava na mesma universidade. “Foi-me buscar, tirou-me dali.” Não é verdade, diz, que seja sempre fácil dizer não. “É discutível a liberdade de consentimento nestes casos.” Como lembra a carta aberta, a pressão é grande, sobretudo para os estudantes que vêm de outras cidades, pela primeira vez estão longe da família e sem amigos por perto.

“Não me sujeitei à praxe e não deixei de fazer amigos por causa disso”, remata a juíza. É um mito que a praxe seja a única forma de integrar os novatos.

A deputada que foi para fora

A praxe como integração? “Só se for a integração da boçalidade e da perversão”, responde São José Lapa, actriz. Com 65 anos, não se lembra de no seu tempo, na Escola Superior de Teatro, haver praxe. Mas deixa uma sugestão: soube que um grupo de alunos se organizou recentemente para com os “caloiros” ajudarem a “reconstruir casas numa velha aldeia”. Sustenta que esta, sim, “é uma actividade integradora”. Mas “há tanta coisa mais que se pode fazer...”

Rubina Berardo, 33 anos, deputada madeirense do PSD, estudou no Reino Unido. “E lá não havia praxe, havia uma semana com várias actividades organizadas pela universidade e pelas associações académicas, que tinham uma vertente lúdica, festa, convívios, mas não só. Havia também uma feira de actividades, por exemplo, onde me inscrevi como voluntária numa linha de apoio psicológico para estudantes.”

Nunca lhe agradou a ideia de ser praxada e confessa até que, quando teve que se decidir entre Portugal e outro país para estudar, o facto de haver praxe em Portugal contribuiu para que escolhesse outro país.

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