União Europeia – parar e (re)pensar

Não é lúcida a confusão entre “União Europeia” e “Europa” como se fossem o mesmo. Não são.

Germinam problemas sistémicos e mesmo existenciais na UE, que muitos têm pavor de reconhecer mas que seria imprudente não enfrentar.

Será benéfico diluir alguns mitos. Por exemplo, não é lúcida a confusão entre “União Europeia” e “Europa” como se fossem o mesmo. Não são. Dependendo da delimitação a Leste, o número de países da Europa ronda os 50 mas com a saída do Reino Unido da UE nesta apenas existirão 27. Existe uma Europa para além da União Europeia, mesmo que esta congregue muitos dos mais influentes, por enquanto. Sem o Reino Unido a população da UE será de 443 milhões de habitantes enquanto o total da Europa se aproximará dos 740 milhões. É surreal que se diga que alguém que abandona a UE está a virar as costas à Europa. O Reino Unido continua na Europa e seria deslocado que imaginássemos que a Noruega ou a Suíça vivem num desesperado universo atrasado porque não integram a UE ou que a Suécia vegeta no primitivismo económico porque declinou aderir ao Euro.

Outro mito que é vital desmontar é o de que o Reino Unido decidiu abandonar a UE porque é um caso anormal. Os britânicos decidiram aquilo que outras nações possivelmente decidiriam se não lhes fosse negada a democracia. O horror antidemocrático com que muitos políticos europeus olham um povo que decide o seu futuro é sintoma de uma profunda doença que envergonha os ideais europeus. A ex-candidata presidencial francesa Ségolène Royal afirmou que os políticos franceses não cometerão o mesmo “erro” de David Cameron no Reino Unido. O “erro” foi ser-se democrata. É assustador.

Apresentado há escassas semanas, um grande estudo de opinião da respeitadíssima Pew Research evidencia a opinião real dos europeus. Sobre a tese de que o objectivo deve ser o de “mais Europa, cada vez mais Europa” apenas 19% dos cidadãos da UE entende que os países membros devem transferir mais poderes para a União Europeia, enquanto mais do dobro, 42%, considera que, pelo contrário, alguns dos poderes que a UE já controla devem retornar à soberania dos países membros. A posição predominante dos cidadãos é a de que a União Europeia, na sua conceptualização actual, deve ter poderes mais reduzidos, não maiores. Na Grécia, os que entendem que os poderes de Bruxelas devem regressar parcialmente aos países são 8 vezes mais numerosos que os que desejam que ela receba mais atribuições. Na Suécia só 1 oitavo dos cidadãos concorda com a transferência de mais poderes para a UE. Mesmo na Alemanha só um 1 quarto dos cidadãos defende a concessão de mais poderes a Bruxelas enquanto mais de 40% entendem que vários poderes devem recentrar-se nas nações.

De resto, 48% dos alemães têm uma opinião desfavorável sobre a União Europeia. Em França 61% dos cidadãos subscrevem essa opinião negativa, um valor bem superior ao do próprio Reino Unido que decidiu sair. A incidência de opinião negativa na Alemanha é idêntica à dos britânicos. Avoluma-se uma onda subterrânea que pode ter apenas começado a revelar-se no caso do Reino Unido.

Apontam-se os presumíveis perigos mortíferos que o Reino Unido enfrentará com a sua saída. Talvez o maior impacto negativo seja o que se exercerá sobre a União Europeia. Quase 90% dos suecos consideram que esse impacto será negativo para a UE, tal como julgam 3 quartos dos alemães e dos holandeses. A desvalorização imediata da Libra é olhada como uma penalização sobre os ingleses, que passarão a ter produtos importados mais caros. Não se vê que agora os outros europeus terão mais dificuldade em exportar para o enorme mercado britânico, enquanto este passará a exportar mais para todo o resto da Europa e para o mundo, conquistando novos mercados enquanto outros produtores europeus tenderão a perdê-los. Acresce que muitos políticos não compreendem que, numa era globalizada de generalizada tendência de liberalização do comércio mundial, o acesso interno a mercados de blocos comerciais regionais não é tão determinante como há 2 décadas.

A eventual independência da Escócia gerará um impacto psicológico na identidade britânica mas os escoceses representam apenas 8% da população do país. Não se poderá contrariar a independência da Catalunha e não só.

Entre a fase altamente positiva em que se modelava uma “Comunidade” europeia e a fase em que agora se força uma “União” que visa, realmente, uma “Unificação” escondida aos cidadãos, passámos a semear a asfixia dos cidadãos e o conflito latente, como se vê com o ódio à democracia britânica. O caso do Reino Unido poderá constituir um preâmbulo de uma fase, não imediata, em que várias dinâmicas se podem precipitar, implodindo a malha aglutinadora de um genuíno Projeto Europeu.

Temos que parar durante alguns anos o aprofundamento da “unificação” europeia. Para, sem fanatismos, repensar com serenidade o nosso futuro comum, com inteligência estratégica que se perdeu. Para o desenvolver democraticamente e não como um modelo totalitário que despreza os povos e os cidadãos. Não porque queiramos liquidar a UE mas porque desejamos salvá-la e salvaguardar a nossa paz futura.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários