Para estes jogadores, os duelos fazem-se cara a cara, por cima de um tabuleiro

Todas as semanas o grupo Board Gamers organiza, em vários pontos do país, encontros dedicados aos jogos de tabuleiros. Esta é uma forma de poder partilhar a experiência de jogar com outras pessoas que preferem enfrentar o opositor de frente, saindo de trás do computador ou da playstation.

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Fernando Veludo/nfactos
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Numa das mesas da esplanada do café Tropical, no centro comercial Crystal Park, há um trio que está empenhado em chegar à Índia por mar. A viagem que começa em Portugal e faz escala em vários pontos da costa percorre-se em cerca de 60 minutos. 60 minutos de barco? Não. São 60 minutos sentados, aos comandos de Sail to India, um dos jogos mais requisitados nos encontros semanais do Porto Board Gamers, grupo que, à imagem de outros a nível nacional, como o de Leiria, Aveiro, Faro ou Lisboa (o maior em conjunto com o do Porto), se reúne para horas seguidas de partidas dos mais variados jogos de tabuleiro.

São aproximadamente três dezenas de jogos, trazidos pelos frequentadores mais assíduos, na gíria conhecidos como gamers, que estão disponíveis para qualquer pessoa que apareça, novato ou mais experiente, e os queira jogar. A partir das 21h30 começam a ser ocupadas as primeiras mesas da esplanada, cedida todas as quintas-feiras ao grupo. Por volta das 22h30 já estão ocupadas por umas 30 pessoas, do sexo feminino e masculino, dentro da faixa etária entre os 25 e os 45, que em dias de maior afluência podem chegar às 50. Os mais resistentes podem jogar até às seis da manhã, hora a que o espaço encerra.

Um dos dinamizadores do encontro, Pedro Silva, 46 anos, recua uma década e recorda a altura em que o grupo se formou, ainda na loja XXL, na zona dos Combatentes, quando eram “uns 3 ou 4”.  Deste então, durante os primeiros 10 anos de existência, o grupo foi crescendo exponencialmente, muito motivado “pelo advento da Internet”, o que para o gamer “abriu portas” para que grupos dispersos, que habitualmente se juntavam em casas de amigos, “criassem sinergias” e se  aproximassem. “Hoje, com a Internet, é mais fácil conhecer pessoas com os mesmos interesses”, refere. Já na década de 1980, quando começou a interessar-se por este tipo de jogos, não era assim tão simples.

Desde sempre revelou um gosto especial por jogos de tabuleiro, mas considera que o clique foi activado quando experimentou um jogo mais complexo na casa de um amigo do irmão mais velho. Na altura não era muito fácil em Portugal encontrar lojas que os vendessem, além dos habituais e mais conhecidos Monopólio ou Risco, que diz nunca ter gostado por “existir um factor sorte muito elevado”. Devido à escassez da oferta ou quase inexistência de um mercado, criava novas regras para os jogos “mais convencionais”, que lhe eram oferecidos. Essa escassez fez com que, durante um tempo, se afastasse dos jogos de tabuleiro, até ao momento em que encontrou numa loja, em finais de 80, os jogos Full Metal Planet e o Armada. Daí até chegar ao “espólio” de 200, que reúne actualmente, foi um processo que aconteceu naturalmente: “É um investimento com uma curva curiosa”, refere. No inicio, compra-se “tudo o que aparece à frente porque se quer experimentar todos os jogos que saem”. Mas, com o passar dos anos, “fica-se mais criterioso”. Anualmente são lançados aproximadamente 700 jogos, na maior e mais importante feira dedicada aos jogos de tabuleiro, em Essen, na Alemanha, mas muitos deles diz terem uma mecânica semelhante, por isso a compra de alguns pode tornar-se redundante. “Tenho 200, mas podia ter menos”, adianta. Há muitos que já não joga há algum tempo, ao contrário do Power Grid, um dos da sua preferência e  dos mais jogados nos encontros semanais. No entanto, o factor colecção acaba também por pesar, e por isso não abre mão dos que foi adquirindo. Embora existam trocas, sobretudo nos encontros anuais, designados por cons ou convenções e também no fórum online Abre o Jogo, “o mais relevante dedicado ao género”.

Quem também colecciona jogos é Cristovão Neto, um frequentador assíduo, que completava 40 anos no dia em que o PÚBLICO visitou o encontro do Board Gamers do Porto. São mais de 500 os jogos que fazem parte da sua colecção. Prefere não arriscar no valor total do investimento, que continua a achar “ter sido bem aplicado” porque “os jogos continuam a ter uso”. Tendo em mente que em média um jogo custa cerca de 30 euros, “é uma questão de fazer as contas”, refere. A motivação para se deslocar semanalmente aos encontros tem a ver com a vontade de se desafiar mentalmente. Por isso, diz preferir os EuroGames por serem “mais abstractos” e por funcionarem mais “através de mecânicas ligadas à matemática. Dão mais que pensar e reflectem mais as intenções de cada um”. Explica que existem dois tipos de jogos, os já referidos EuroGames,  na sua maioria de origem alemã, e os AmeriTrash, de origem americana, “mais visuais e temáticos e mais levados pela história e pela sorte”.  Cristovão trouxe bolo para festejar, porque parte importante é a questão social e “o convívio que se proporciona”. Não é por isso que Marta Rolo, 25 anos, a competir com o gamer no jogo Sail to India, se deixa iludir e avisa que não é por completar quatro décadas, naquela noite, que o vai deixar ganhar. A competição faz parte do processo, mas os dois asseguram que assim que a noite acaba já não se pensa mais nisso. 

Além do encontro semanal organizado pelo grupo Board Gamers há outros com características semelhantes. Em duas lojas do Porto, dedicadas exclusivamente ao comércio de jogos de tabuleiro, a Arena e a The Dice Den, agora integrada no espaço Games Gallery, também é possível jogar.

Na Arena o encontro é às sextas-feiras às 21h00 e costuma terminar por volta das 2h00. Mais pequeno do que o encontro do Crystal Park, aparecem umas 20 pessoas, que podem jogar os jogos da loja ou trazer de casa os próprios. No entanto, quase todos os dias há encontros mais direccionados. Ao contrário do de sexta-feira, quando se jogam todo o tipo de jogos, as terças, sábados e domingos são reservadas para jogar Magic The Gathering, um jogo de troca de cartas. A comunidade é formada por 50 pessoas. Às quartas-feiras e domingos joga-se Dungeons & Dragons, jogo em que o jogador encarna uma personagem, e uma das maiores referências para jogos de vídeo que seguem a mesma base. O gerente da Arena, Danny Rangel, diz que apesar de existirem eventos com hora marcada, não há qualquer impedimento para que noutro horário se possa frequentar o espaço para jogar. Esta, refere o gerente, é uma forma de os clientes “poderem experimentar e conhecerem novos jogos”. 

Os encontros da The Dice Den, também são à sexta-feira à mesma hora. Seguindo a mesma lógica da Arena, também organizam encontros temáticos e é um espaço aberto para qualquer pessoa frequentar fora do horário dos eventos. Apesar de loja dividir o espaço com um centro de jogos electrónicos, Telmo Moreira, gerente, diz que a “sua praia” são mesmo os de tabuleiro. O que lhe agrada neste tipo de jogos e o que os distingue dos de vídeo é a “componente humana associada”. Numa sociedade cada vez mais virada para o isolamento digital, o facto deste tipo de jogos “obrigar a um encontro real entre pessoas acaba por ser uma vitória”.    

Além dos encontros semanais em várias cidades do país o grupo Board Gamers organiza encontros mensais e convenções anuais. A RiaCON, em Aveiro, e a Lisboa Con, que acontecem no primeiro semestre do ano, ou a InvictaCON, que se realizará entre 7 a 10 de Outubro, são exemplos de alguns desses encontros. Em Vila Real decorre até este domingo o VilaRealCon, a primeira convenção de jogos de tabuleiro nesta cidade.

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