O regresso de uma senhora

A fotografia de Juana Biarnés andou escondida dos olhos do mundo durante 30 anos. A exposição retrospectiva que o festival PhotoEspaña organizou este ano é um passo para colocar uma obra construída nos jornais e fora deles no lugar que merece – entre os melhores.

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Rocío Durcal Juana Biarnés
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Chegada dos The Beatles a Madrid, 1965 Juana Biarnés
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Lucía Bosé como George Sand, 1969 Juana Biarnés
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Marisol Juana Biarnés
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Antonio "El Bailarín" com Rudolph Nureyev, Madrid 1971 Juana Biarnés
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Carmen Sevilla. Madrid, 1969 Juana Biarnés
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Roger Moore Juana Biarnés
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Dalí Juana Biarnés
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Sammy Davis Jr. e Palomo Linares, Añover del Tajo, Toledo 1967 Juana Biarnés
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Tita Cervera com Lex Barker Juana Biarnés
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Toureiros Juana Biarnés
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Paul McCartney num quarto de hotel em Madrid, 1965 Juana Biarnés
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Fotografia de moda Juana Biarnés

A Juana Biarnés fazia-lhe impressão o sangue. Sabendo disto, Manuel del Arco, professor e reputado jornalista catalão, mandou Juana fazer uma reportagem fotográfica a um matadouro (corria o ano de 1956). As imagens que captou não só demonstraram que soube ultrapassar a sua fobia como provaram a Del Arco que havia naquela aspirante a fotojornalista qualquer coisa de diferente, um olhar sagaz. “Senhorita, você será uma grande repórter”, vaticinou o tutor. O que Juana Biarnés i Florensa (1935, Viladecavalls) fez nos 35 anos que se seguiram deu-lhe razão. Às décadas mais opacas da história espanhola da segunda metade do século XX a fotógrafa catalã respondeu com luz, humor e tenacidade, construindo uma obra marcante e pioneira, entre a crónica gráfica e social que nos ajudam a enquadrar o franquismo e a transição para a democracia. A exposição retrospectiva que o festival de fotografia madrileno PhotoEspaña lhe dedica este ano (A contracorrente, até 31 de Julho) é uma forma de resgatar uma carreira intensa que foi votada ao esquecimento durante os últimos 30 anos.

A determinação com que Biarnés decidiu abraçar o ofício desde o primeiro dia foi igual àquela com que decidiu abandoná-lo, em meados dos anos 80, por achar que o sucesso do sensacionalismo da imprensa cor-de-rosa estava a corroer o fotojornalismo em que acreditava e que se baseava num forte sentido ético. Nessa altura, decidiu arrumar as câmaras e pegar nas panelas para abrir com o marido um restaurante em Ibiza. Depois de cerca de duas décadas à frente do negócio, voltou à terra-natal com caixas e caixas de fotografias e sem saber que rumo lhes dar.

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Lucía Bosé como George Sand, 1969 Juana Biarnés

Na apresentação da exposição em Madrid, Biarnés contou como numa manhã de fúria em que achava que as suas imagens já não significavam nada começou a triturá-las, uma a uma. Até que alguém lhe gritou: “Por amor de Deus, pára já com isso!” Juana parou. Mas foi só quando, em 2012, o fotógrafo Cristóbal Castro foi ter com ela para lhe pedir imagens das trágicas cheias de Vallés de 1962 (morreram 800 pessoas) que a obra daquela que é considerada a primeira fotojornalista espanhola ganhou novo fôlego. Castro queria fazer uma exposição para assinalar os 50 anos sobre as cheias e sabia que Juana Biarnés tinha fotografado com o pai a devastação causada. Nas caixas de fotografias em desalinho encontrou o que queria, mas não só: descobriu um espólio de alta qualidade que estava fora dos lugares de destaque da história da fotografia espanhola. A partir desse momento, o trabalho de Biarnés foi sendo alvo de pesquisa e voltou a ser mostrado em várias exposições. E hoje há, pelo menos, dois consensos: o de que poucas pessoas conhecem o trabalho desta fotojornalista pioneira e o de que se está perante uma obra maior.

Juana Biarnés, hoje com 81 anos, tem plena consciência do primeiro e demonstrou humildade suficiente para não dar o segundo como garantido, quando perante uma pequena multidão de jornalistas de vários cantos do mundo afirmou em tom brincalhão que só eram tantos porque momentos antes, na mesma sala do Teatro Fernán Gomez, em Madrid, tinha havido a inauguração de uma exposição de Cristina de Middel, a estrela que mais tem brilhado na fotografia espanhola contemporânea nos últimos anos.

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Roger Moore Juana Biarnés

A carreira de Biarnés foi marcada pela persistência e pela capacidade de vencer as adversidades que se lhe colocaram pelo facto de ser mulher num meio dominado por homens. Uma vez, durante a cobertura de um jogo de futebol o árbitro mandou-a sair do relvado, onde estava a fotografar com outros colegas de profissão. Juana mostrou as credenciais, disse-lhe que estava a trabalhar e recusou sair. Era comum a polícia não a deixar entrar nas Cortes em Madrid, mesmo quando já trabalhava para o diário Pueblo, o primeiro a contratá-la depois de muitas portas se terem fechado. Ouviu vezes sem conta tiradas machistas como “Vai lavar pratos!” A tudo Juana respondeu com a singularidade da sua fotografia e a afirmação do seu género. Fotografou de tudo, do desporto à moda, dos famosos aos anónimos, em Espanha e fora dela. A marca que deixa na fotografia é a de alguém que procurou a proximidade, a cumplicidade e a oportunidade para conseguir “a fotografia”. Essa procura pelo “momento que tudo condensa” foi um conselho que o pai lhe deu e que Juana tudo fez para cumprir.

O PÚBLICO viajou a convite do Turismo de Espanha

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Paul McCartney num quarto de hotel em Madrid, 1965 Juana Biarnés
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