Mandem a fronteira para o Reino Unido, pedem os habitantes de Calais

Cidade do Norte de França onde se acumulam os migrantes que tentam passar ilegalmente para Inglaterra quer que sejam renegociados acordos bilaterais de fronteiras e imigração após o "Brexit".

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Tenda na "Selva" de Calais PHILIPPE HUGUEN/AFP

A presidente da câmara de Calais, a cidade portuária do Norte de França onde se acumulam em verdadeiros bairros de lata milhares de imigrantes esperançosos de conseguirem atravessar o canal da Mancha para entrarem no Reino Unido, cruzando ilegalmente uma fronteira do espaço Schengen, não perdeu tempo após serem conhecidos os resultados do referendo britânico. “A fronteira deve regressar a Inglaterra. Peço ao Presidente da República que aproveite a saída do Reino Unido para fazer uma renegociação dos acordos de Torquet”, apelou Natacha Bouchart.

O acordo de Tourquet não é um acordo europeu, mas antes bilateral, assinado por Nicolas Sarkozy em 2003, quando era ministro do Interior e estava ansioso por encerrar o centro de acolhimento de imigrantes de Sangatte, igualmente próximo de Calais e aberto três anos pelo Governo do socialista Lionel Jospin, que transbordava pelas costuras. Em troca do encerramento, os britânicos passaram a poder fazer controlos de imigrantes em território francês, até mesmo na Gare du Nord, em Paris, de onde partem os comboios que cruzam o túnel da Mancha para chegar a Inglaterra.

O acordo de Torquet tem uma cláusula de denúncia, explicou ao Le Monde Olivier Cahn, um jurista especializado em acordos franco-britânicos, mas seria necessário também denunciar uma série de outros documentos – o que torna pouco provável que sejam alterados.

Começando pelo protocolo de Sangatte, que está relacionado com o acordo de Canterbury – assinado em 1986, foi o primeiro a colocar o princípio de uma fronteira terrestre entre o Reino Unido e França, prevendo a abertura do eurotúnel sob a Mancha, que aconteceu em 1994. A assinatura do chamado “Acordo de Cavalheiros”, em 1995, marcou o momento a partir do qual a França passou a aceitar a devolução de todos os migrantes que as autoridades britânicas interceptassem à entrada do seu território – quando, ao abrigo do direito internacional, o Reino Unido deveria permitir que apresentassem um pedido de asilo.

As dificuldades não comovem, no entanto, os eleitos locais. Xavier Bertrand, o presidente da região Nord-Pas de Calais-Picardia, e ex-ministro de Nicolas Sarkozy, exigiu por sua vez ao Governo britânico que abra negociações sobre os acordos. “O Reino Unido escolheu retomar a sua liberdade. Deve também reassumir a gestão das suas fronteiras”, afirmou. “Os migrantes estão em Calais à espera de ir para Inglaterra. Nenhum quer ficar em Calais”, afirmou o político conservador.

Este é um sentimento comum entre os habitantes de Calais. “Tenho muita curiosidade em ver o que vão fazer com a fronteira. Queremos que a passem para Dover [no Reino Unido]”, comentou o arquitecto Nico Cousineau, de 34 anos, ouvido pelo Guardian.

Mas na chamada Selva, a cerca de seis minutos de carro do centro da cidade, onde se calcula que 6000 pessoas aguardem em condições lastimáveis uma oportunidade para dar o salto para o outro lado da Mancha, as notícias do "Brexit" foram recebidas maioritariamente com indiferença.

“É-me indiferente. Vou tentar a continuar chegar até aos meus primos em Southall, como faço todos os dias”, disse ao Guardian Fawad Khan, um afegão de 29 anos que no ano passado fugiu de uma zona controlada pelos taliban na província de Wardak, perto da capital, Cabul. Ele calcula que durante oito meses na Selva já tentou mais de 200 vezes.

 

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