OCDE aponta riscos à separação de alunos em função das suas dificuldades

Portugal tem uma carga horária a Matemática acima da OCDE. Mas o que mais importa na hora de avaliar o à-vontade com que os alunos lidam com conceitos como "média aritmética", que só 30% conhecem bem, são os conteúdos que lhes são transmitidos, sustenta estudo.

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Usar problemas "bem concebidos e desafiantes nas aulas de Matemática”, isso sim, “pode ter uma enorme impacto na performance dos estudantes”. Nelson Garrido

Separar os alunos por grupos, dentro de cada escola, ou até dentro de cada turma, em função do nível em que estão na Matemática, pode até ter como objectivo apoiar os que menos sabem, e estimular os que estão mais avançados. Mas métodos deste tipo, disseminados nos países da OCDE, e também utilizados em muitas escolas portuguesas, podem “reduzir as oportunidades de aprendizagem dos alunos mais desfavorecidos” em termos sócio-económicos, admite um relatório publicado esta semana pela OCDE.

Intitulado Equations and Inequalities: Making Mathematics Accessible to All, o relatório diz que cerca de 70% dos alunos de mais de 60 países e economias que participaram na última edição do PISA (sigla para Programme for International Student Assessment), em 2012, frequentam escolas onde existe a política de, nas aulas de Matemática, separar os alunos pelo nível em que estão. O PISA, recorde-se, é um estudo feito pela OCDE de três em três anos sobre a forma como os alunos de 15 anos aplicam conhecimentos e competências de Matemática, Leitura e Ciências perante situações da “vida real”.

Em Portugal, dos quase 6000 jovens que participaram em 2012 nessa avaliação, 60% frequentavam escolas onde existiam experiências deste género — sendo estas muitíssimo mais comuns em estabelecimentos de ensino situados em contextos sociais mais problemáticos. Já em países como a Nova Zelândia, Irlanda ou o Reino Unido a prática de agrupar alunos em função das competências dos mesmos está presente em quase 100% das escolas, tanto em contextos mais favorecidos como noutros mais difíceis, mostra o relatório.

Certo é que a OCDE recomenda que se faça uma avaliação às “políticas e práticas de selecção dos alunos em função das suas aptidões”.

Diz  que a “verdadeira alternativa” são as turmas onde coexistem alunos com diferentes ritmos, admitindo, contudo, que isso é muito mais exigente em termos de ensino. Por isso, defende “que seja dado um apoio reforçado aos professores que trabalhem com turmas onde existe heterogeneidade”.

Mas mesmo os eventuais efeitos negativos de uma separação de alunos por nível podem ser mitigados, por exemplo, se essas soluções forem temporárias, sustenta. E se for oferecido aos alunos em dificuldades um apoio mais personalizado.

Alerta-se ainda para este facto: para além dos esquemas do tipo “turmas de nível”, práticas como a “transferência de alunos de uma instituição para outra por causa de problemas de desempenho ou de comportamento”, ou a definição de percursos escolares com base nos conhecimentos dos alunos — encaminhando-os para cursos vocacionais ou mais académicos, conforme as competências que revelam — estão igualmente associadas a “um acesso mais desigual aos conteúdos matemáticos”.

Quase 5 horas de aulas

O relatório começa por mostrar como o número de horas que as escolas dedicam às lições de Matemática tem aumentado. A média da OCDE é cerca de 3 horas e 38 minutos por semana, sendo em Portugal de 4 horas e 48 minutos. É uma das cargas horárias mais pesadas (aumentou cerca de uma hora e meia desde 2003), semelhante à que existe em Singapura, cujos alunos são dos que melhor se saem nos testes do PISA de Matemática (2.º lugar na edição de 2012). Portugal está em 23.º lugar no ranking dos 34 da OCDE.

Depois, os autores do estudo mostram como os alunos de meios familiares mais desfavorecidos beneficiam, em geral, do mesmo tempo de aulas de Matemática do que os seus colegas mais favorecidos. Aí não há diferença. E, no entanto, os primeiros mostram menos familiaridade com conceitos de matemática, como “média aritmética” — apenas 20% dos mais pobres dizem conhecer este conceito bem, contra 40% dos mais privilegiados. Em Portugal o hiato é maior ainda, 9% contra 37%. Em média, sem olhar à classe social, apenas 30% compreendem bem tal conceito.

“Os alunos mais desfavorecidos são expostos a problemas de Matemática aplicada básicos, enquanto os seus pares mais favorecidos têm acesso a um ensino que os ajuda a reflectir como verdadeiros matemáticos e a adquirir uma compreensão dos conceitos aprofundada”, diz o relatório.

O tempo dedicado às aulas formais é importante. Mas "mais do que o tempo de instrução, são os conteúdos ensinados” que fazem a diferença na performance dos alunos quando confrontados com questões como as que lhes são colocadas no PISA, prossegue. Bem como “um bom clima disciplinar” na sala de aula.

Desinteresse e confusão

Em Portugal, os conteúdos que estão a ser ensinados têm suscitado preocupações. Esta semana, a Associação de Professores de Matemática (APM) divulgou uma carta aberta onde reforça “mais uma vez que está em total desacordo com os actuais programas e defende a sua suspensão e substituição o mais rapidamente possível”.

Ao PÚBLICO, João Pedro da Ponte, professor catedrático e presidente do Instituto de Educação, da Universidade de Lisboa, diz que há uma “grande onda de desinteresse e confusão entre os alunos portugueses”. Aponta o dedo às “mudanças curriculares intempestivas introduzidas em 2013, no sentido de uma formalização radical” da disciplina, que têm levado, na sua opinião, “à desmotivação crescente de alunos”. E ainda às “metas curriculares definidas em 2011, metas que os professores não percebem, que foram escritas de cientistas para cientistas”.

Pedro da Ponte antecipa mesmo “um choque” no próximo PISA. Acha que os alunos testados vão revelar resultados bem piores do que em 2012.

Sobre as "turmas de nível", lembra que “a discussão é antiga” e defende “soluções intermédias”. “Para alunos com mais capacidade pode ser vantajoso estar em turmas de alunos com mais capacidade. Mas acredito em soluções que não estigmatizem”, que sejam temporárias, e onde os mais fracos tenham acesso a apoios reforçados, como existem nas chamadas Turmas Fénix em várias escolas.

Matemática complexa

O que o relatório da OCDE vem sublinhar é que mesmo os mais fracos devem ter oportunidade de aceder à Matemática mais complexa.

“A exposição a tarefas e conceitos de matemática pura (como equações lineares ou de segundo grau) está fortemente ligada à obtenção de melhores resultados nos testes do PISA”, lê-se. Já “a correlação entre a exposição dos alunos a problemas de matemática aplicada simples (como utilizar um horário de comboio para calcular quanto tempo dura o trajecto de uma estação a outra) e a sua performance no PISA é mais fraca”.

Pelo que, conclui-se, “a simples inclusão de referências ao mundo real no ensino da Matemática não transforma um exercício de rotina  num bom problema”. Ou seja, “usar problemas bem concebidos e desafiantes nas aulas de Matemática”, isso sim, “pode ter um enorme impacto na performance dos estudantes”.

A OCDE reconhece a dificuldade de ensinar alunos, sobretudo em meios mais desfavorecidos, “a desenvolver estratégias de resolução de problemas, estabelecer ligações, fazer previsões, conceptualizar”. Talvez seja preciso reformular manuais escolares, materiais de ensino e apostar “na formação específica dos professores”.

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