Aung San Suu Kyi insiste em não tratar os Rohingya pelo seu nome

A Nobel da Paz resiste às denúncias das Nações Unidas, que argumentam que a repressão contra a minoria muçulmana na Birmânia pode constituir um crime contra a humanidade.

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O termo Rohingya surgiu na década de 50 como uma forma de identificação comunitária. Beawiharta/Reuters

Mesmo face a repetidos apelos de parceiros internacionais, organizações humanitárias e, mais recentemente, das Nações Unidas, o novo Governo birmanês liderado oficiosamente pela Nobel da Paz Aung San Suu Kyi continua a recusar-se a usar o nome Rohingya para designar a maior comunidade muçulmana no país, um dos povos mais reprimidos no mundo que exige, entre muitas outras coisas, o direito a identificar-se com esse termo.

“A nossa posição em relação a este assunto é a de que os termos controversos devem ser evitados”, anunciou na segunda-feira a secretária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, falando em nome de San Suu Kyi, depois de um encontro entre a Nobel da Paz e investigadores das Nações Unidas, que nesse mesmo dia publicaram um relatório sugerindo que a repressão sistemática dos Rohingya pode constituir um crime contra a humanidade.  

O partido de San Suu Kyi conquistou uma maioria avassaladora nas legislativas de Novembro de 2015, abrindo caminho para aquele que, em Maio, se tornou o primeiro Governo não militar desde a década de 1960 — a própriaSuu Kyi, no entanto, continua impedida constitucionalmente de exercer o cargo de Presidente, embora o faça de forma não oficial, como ministra dos Negócios Estrangeiros.

O Governo de Suu Kyi é um dos mais etnicamente diversificados na História do país e já agiu no sentido da reconciliação e maior abertura com as minorias discriminadas pelas décadas de governo militar: criou um Ministério para os Assuntos Étnicos, propôs uma conferência nacional de paz para pacificar as bolsas de conflito no Norte do país e formou um comité para a paz e estabilidade no Estado de Rakhine, onde vivem mais de um milhão de muçulmanos birmaneses.

Mas falar nos direitos da comunidade Rohingya continua a ser um tema sensível, pela aversão e sentimento anti-muçulmano da maioria budista — a própria Suu Kyi disse na campanha eleitoral que nada podia fazer por eles. O relatório publicado pela ONU documenta alguns dos abusos sofridos pela comunidade, que vão desde a privação de nacionalidade — muitos são apátridas, não podem sair do país, votar ou aceder a algumas profissões — ao trabalho forçado, violência sexual, detenções arbitrárias ou execuções sumárias.

O próprio uso do nome Rohingya é-lhes vedado, muito graças à acção de grupos nacionalistas budistas, que insistem em tratar quase todos os muçulmanos de Rakhine como bengalis, já que, segundo eles, não são mais do que imigrantes ilegais do Bangladesh, mesmo que muitas famílias vivam há muitas gerações na Birmânia. Em 2014, por exemplo, os nacionalistas ameaçaram boicotar os primeiros censos em 30 anos caso lá estivesse o grupo étnico Rohingya, cujo termo surgiu na década de 1950 como forma de identificação comunitária. Venceram e o seu poder paira como um fantasma sobre o Governo de Suu Kyi.

“Não será fácil reverter uma discriminação tão entrincheirada como esta”, argumenta o alto-comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Zeid Ra’ad Al Hussein. “Será um processo exigente que obrigará a ter dedicação, recursos e tempo. Mas deve ser uma prioridade de topo para travar as violações correntes e evitar que outras aconteçam contra as várias minorias étnicas e religiosas na Birmânia", escreveu na segunda-feira. 

Há latitude para interpretar a posição de Suu Kyi e do seu Governo como uma forma de abordar a repressão dos Rohingya a longo-prazo sem acicatar tensões étnicas — em Maio, numa visita do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, a Nobel da Paz pediu “espaço” para lidar com a questão. Em 2012, um pico de tensões entre os Rohingya e os dois milhões de budistas em Rakhine causou dezenas de mortos e um êxodo de muçulmanos por via de tráfico humano.

“Pelo bem da harmonia e da confiança mútua entre as duas comunidades, é aconselhável que toda a gente use o termo ‘comunidade muçulmana em Rakhine’”, disse na sexta-feira Thet Thinzar Tun, a representante da Birmânia no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. 

 

 

 

 

 

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