Homem detido pela morte da deputada Jo Cox tem ligações a organizações racistas

Thomas Mair, de 52 anos, terá gritado "Britain first!" quando atacou a parlamentar na rua. Polícia investiga motivos do ataque, que poderão ser explicados pelas ligações do suspeito a grupos supremacistas e neonazis.

Investigações da polícia em curso no local do crime, em Birstall
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Investigações da polícia em curso no local do crime, em Birstall REUTERS/Phil Noble
População em choque presta tributo à deputada trabalhista
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População em choque presta homenagem à deputada trabalhista AFP/OLI SCARFF
Mensagens prometem continuar luta de Jo Cox pela integração de refugiados
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Mensagens prometem continuar luta de Jo Cox pela integração de refugiados REUTERS/Stefan Wermuth

Thomas Mair, o homem que foi detido depois de matar a deputada trabalhista Jo Cox, num violento ataque à saída de uma biblioteca de Birstall, no Norte de Inglaterra, comprou livros e manuais sobre o uso e o fabrico de armas e explosivos a um grupo neonazi dos Estados Unidos chamado National Alliance. E poderá ter usado essa informação para fabricar ou utilizar a arma com que atingiu a prometedora política do Labour, activista pelos direitos das minorias, migrantes e refugiados e envolvida na campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia.

Recibos que comprovam as compras, emitidos em nome de Mair, foram obtidos e divulgados pelo Southern Law Poverty Center, uma organização não-governamental que vigia a actividade de grupos radicais e fundamentalistas nos Estados Unidos. As compras de Thomas Mair à editora National Vanguard Books, que pertence ao grupo neonazi norte-americano, começaram em 1999: entre os títulos que encomendou constam um guia sobre munições improvisadas e uma obra do Partido Nazi da Segunda Guerra Mundial, Ich Kämpfe. O seu nome também é citado numa newsletter de 2006 publicada do Springbook Club, um grupo que defende a reinstauração do regime do apartheid na África do Sul.

A informação acrescenta uma nova dimensão ao retrato até agora conhecido do homem de 52 anos que assassinou a deputada inglesa – um solitário, que possivelmente sofre de distúrbio obsessivo-compulsivo, e que vizinhos e conhecidos garantem nunca ter revelado tendências violentas nem fortes opiniões sobre questões políticas. Mas que aparentemente estaria activamente envolvido com grupos nacionalistas e racistas, apoiantes do supremacismo. Segundo o The Guardian, nas buscas efectuadas em sua casa foram encontrados trajes e acessórios nazis e inúmeros volumes de “literatura de extrema direita”.

Num momento em que as autoridades investigam as possíveis motivações políticas para o brutal ataque à parlamentar de 41 anos, de acordo com os relatos de várias testemunhas, Thomas Mair terá gritado pelo menos duas vezes “Britain First!” (ou “Grã-Bretanha primeiro!”), antes de atacar Jo Cox. Além de um slogan político que está a ser repetido no âmbito da campanha do referendo pela saída ou permanência do Reino Unido na União Europeia, Britain First é também o nome de uma organização política de extrema-direita – e que num comunicado se demarcou das acções de Thomas Mair.

A polícia recusou-se, para já, a especular sobre as razões, mas disse que a investigação não aponta para uma acção concertada nem para o risco de réplicas do ataque. “A nossa informação é de que se trata de um incidente localizado, um acto deliberado que evidentemente teve um impacto alargado”, disse o comissário da polícia de West Yorkshire.

A mãe, irmão e meio-irmão de Mair confessaram-se tão surpreendidos e chocados como o resto dos britânicos com o ataque a Jo Cox – e tão incapazes de explicar o comportamento de Thomas como toda a gente que convivia com Thomas. “Ainda estamos incrédulos com o que aconteceu, estamos a tentar compreender. O meu irmão não é um homem violento, nem se interessa por política. Nós nem sequer sabemos se ele vota, e em quem. Estamos muito perturbados com tudo isto, e lamentamos profundamente esta tragédia. Isso é tudo o que podemos dizer à família da deputada, que estamos consternados e lamentamos sinceramente o que aconteceu”, disse Scott Mair ao tablóide Sun.

A vizinha do lado, Diana Peters, disse à Reuters que conhecia Thomas Mair desde os oito anos de idade: o suspeito cresceu na mesma casa onde vive há 40 anos, e apesar de calado e discreto, era cuidadoso e preocupado com a comunidade local: dedicava-se a ajudar os vizinhos com a jardinagem, fazia voluntariado e passava horas na biblioteca do bairro. “Era obcecado por livros e por plantas”, descreveu o irmão. Não se lhe conhece nenhuma ocupação profissional, e sabe-se que terá feito pelo menos dois tratamentos em estabelecimentos de saúde mental.

Alguns vizinhos viram-no sair de casa menos de meia hora antes do ataque, “perfeitamente calmo e normal”, envergando um boné e levando um saco onde estariam as armas com que atingiu Jo Cox, uma pistola – ou antiga ou de fabrico próprio, segundo as testemunhas – e uma faca com uma lâmina de 30 centímetros de comprimento. “Obviamente já teria tudo premeditado”, conclui Diana Peters. Outros que presenciaram a sua detenção afirmam que terá repetido “Britain first” quando foi algemado pela polícia. A imprensa britânica escrevia esta sexta-feira que no primeiro interrogatório sob detenção Mair respondeu de forma lúcida.

As autoridades confirmaram esta sexta-feira que Jo Cox tinha apresentado queixa depois de ter recebido ameaças em Março. O caso foi investigado e um indivíduo foi detido e interrogado pela polícia. Mas não se trata do mesmo homem, e esse incidente aparentemente não está relacionado com o ataque fatal.

A campanha para o referendo sobre a União Europeia, marcado para 23 de Junho, está suspensa. Esta sexta-feira, dezenas de figuras dos principais partidos políticos prestaram homenagem ao trabalho de Jo Cox no Parlamento, em prol dos seus eleitores, mas também das populações mais desfavorecidas e dos refugiados da guerra da Síria, e recordaram emocionadamente a memória de uma mulher enérgica, divertida e idealista, empenhada nas suas causas e feliz ao lado da sua jovem família.

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