Uma centena de dias a cometer inconfidências

O Presidente da República não perdeu o hábito de deixar cair uma ou outra revelação. Marcelo também tem sido o Presidente-notícia.

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Marcelo Rebelo de Sousa já tem em mãos o Orçamento do Estado para 2016 Patrícia de Melo Moreira / AFP

Antes de ser Presidente da República foi comentador. E antes de ser comentador, entre outras coisas, tinha sido jornalista, director do Expresso (79-80) e fundador do extinto Semanário. Quando abandonou o jornalismo, não lhe saiu do sangue o gosto pelas revelações e durante anos foi dividindo notícias pelos jornais com que tinha relações próximas. Reza a história que anotava as notícias em pequenas folhas de papel e as dividia a gosto.

Passados tantos anos, a queda para as inconfidências continua e em 100 dias de Presidência da República, essa foi também uma novidade que levou para Belém. O palácio cor-de-rosa passou a ser fonte privilegiada. É que Marcelo Rebelo de Sousa não consegue ter uma informação e não a contar e isso notou-se.... várias vezes.

Revelação de Fátima

Não é um segredo tão bem guardado como foi o terceiro segredo de Fátima, mas mete Igreja e Marcelo Rebelo de Sousa “muito feliz”. E foi a sua felicidade que o levou a cometer a primeira inconfidência, mesmo que subtil, enquanto chefe de Estado. Logo depois de tomar posse, Marcelo quis ir a Roma ver o Papa Francisco e entregar-lhe uma carta formal como convite para vir a Portugal a propósito das comemorações do centenário das aparições de Fátima aos pastorinhos, em 2017.

O Vaticano ainda não disse formalmente que sim ao convite, que foi lançado ainda por Cavaco Silva e Passos Coelho, mas por várias vezes foi dada a indicação de que o Papa Francisco poderá vir a Portugal em 2017. E o que fez Marcelo depois da sua audiência com o Papa? Não se conteve e com duas palavrinhas apenas “muito feliz” deu a entender que a visita é dado certo. “O Papa conhece a realidade de Portugal e a realidade de Fátima. Entreguei-lhe a carta formal. E aquilo que vos disse é aquilo que posso dizer. Neste momento entendo que não posso acrescentar nada quanto à posição do Santo Padre, mas posso dizer o meu estado de espírito é de quem saiu muito feliz da audiência”, disse aos jornalistas em Roma.

Eurodeputada de regresso

Outra vez no estrangeiro e desta vez com uma espécie de charada. Durante um encontro com eurodeputados em Estrasburgo, o Presidente da República revelou que um dos presentes poderia rumar a Portugal para outras funções. “Estava eu a falar de instituições financeiras e acontece, quem sabe, se não haverá aqui perdas, relativas, porque há enriquecimento noutras áreas, de quem em qualquer caso tem uma posição muito útil para continuar a fazer a ponte com as instituições europeias no domínio financeiro”, contou.

Armou-se um rebuliço: Quem? Para onde? Fazer o quê? Quando? Mas o que é certo é que a revelação fez levantar uma suspeita acima de todas as outras, uma vez que se aguardavam os nomes de novos administradores para o Banco de Portugal. Os boatos já antes apontavam para Elisa Ferreira, a inconfidência do Presidente só virou ainda mais os holofotes para a socialista. Um dia depois, era confirmada a notícia de que a eurodeputada e ex-ministra do PS iria para o regulador bancário como vice-governadora.

Apoio a Guterres

Esta foi uma notícia que passou pelos pingos da chuva ou, melhor dizendo, passou entre a enxurrada de apoios à candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU. Marcelo Rebelo de Sousa continua rápido no gatilho das notícias, seja a saber que elas existem, seja a espalhá-las.

No mês de Abril, ainda mal o presidente da delegação do Parlamento junto da CPLP, Marco António Costa, tinha recebido uma carta a informar que os países de língua oficial portuguesa apoiavam o português na corrida às Nações Unidas, já o Presidente a tinha contado… ao presidente da Assembleia da República. Marcelo estava na reunião do Conselho de Estado e quis logo contar a boa nova. Quando Ferro Rodrigues recebeu a informação de Marco António Costa, já não era novidade.

Adiamento antecipado

Confuso? Marcelo Rebelo de Sousa é assim mesmo, sabe que há adiamentos que vão acontecer e conta que existem. Foi isso que fez com a votação no Parlamento sobre a lei que repunha as 35 horas de trabalho na função pública. Foi o Presidente da República que revelou que a votação seria adiada para o dia 3 de Junho… e assim foi.

Mas sobre as 35 horas, que o chefe de Estado promulgou com uma mensagem ao Parlamento, há mais notícias com cheiro a Belém. Marques Mendes, comentador da SIC, antecipou no seu comentário o que Presidente acabou por fazer: promulgar, mas com aviso de que se houver risco de o regresso às 35 horas aumentar a despesa, pode ser inconstitucional.

Um mês na gaveta

As negociações entre Isabel dos Santos e o BPI para uma solução para o banco estavam em ponto morto e o Governo tinha guardada como última cartada a lei da desblindagem da banca, que servia, na prática, para resolver o impasse no BPI. Ora a lei esteve parada trinta dias e quem o revelou foi Marcelo Rebelo de Sousa.

“Retivemos a lei à espera que houvesse acordo”, confidenciou o Presidente. António Costa até tinha rebatido o argumento, dizendo que a lei não tinha sido feito à medida do caso BPI, mas a notícia do papel do Presidente da República neste caso fora desvendada pelo próprio.

Marcelo vai à Lituânia

O Presidente da República não tem parado nestes primeiros tempos. Já foi a Itália, Espanha, França, Alemanha e Moçambique, entre outras paragens por terras nacionais, e agora soube-se que vai também à Lituânia.

A notícia começou a circular em pleno Terreiro do Paço, no primeiro dias da cerimónia das comemoração do 10 de Junho, um dia antes do feriado propriamente dito. Problema: a viagem, para visitar os militares portugueses naquele país, ainda não tinha a confirmação das autoridades da Lituânia. Nem há data certa, nem hora marcada. Será algures durante o próximo mês de Julho.

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