Rosa: pobre, emigrante e lesada do BES

Seria inadmissível que, enganados pelo BES num primeiro tempo, e pelo Novo Banco num segundo, os emigrantes fossem enganados uma terceira vez pelo Governo de Portugal.

A Rosa tem 75 anos e emigrou para França há vinte e cinco. Antes da França, passou quatro anos nos Estados Unidos. A Rosa é doente. Além de uma operação que fez à tiróide, tem graves deficiências cardio-respiratórias, tendo sido submetida a várias outras cirurgias. Não fora beneficiar da CMU (Cobertura Médica Universal) concedida em França aos que não dispõem de cobertura médica, a Rosa não poderia sequer pagar a pesada medicação a que está sujeita. Os seus parcos rendimentos, não lhe permitiam contrair um seguro complementar de saúde, razão que levou a que lhe fosse atribuída a CMU.

A Rosa tem, em tudo 600 euros por mês: 200 de uma reforma de quatro anos de actividade declarada em Portugal sobre os trinte anos que trabalhou no nosso país e 400 de uma reforma da França onde exerceu como mulher-a-dias. A actividade nos Estados Unidos não foi declarada, sendo que a Rosa nunca conseguiu obter a green card, devendo, por vezes, esconder-se nos lugares públicos para escapar ao controlo da polícia. Com o dinheiro ganho nos Estados Unidos onde trabalhou “como uma escrava” sucessivamente em várias famílias, a Rosa comprou um pequeno apartamento no Norte de Portugal que já depois de casada vendeu para comprar outro na orla marítima nortenha. É por causa desse apartamento objecto de um processo de partilha de bens no âmbito do divórcio em curso há doze anos, que a França não lhe atribuiu o complemento social para idosos.

Mas a Rosa escusava de estar a viver a situação extrema em que se encontra, 600 euros por mês num país em que o limiar da pobreza se situa nos 987, se o Banco Espírito Santo, a quem confiou as suas economias, naquilo que julgava ser um depósito a prazo, não a tivesse enganado e se o Novo Banco para onde transitaram não teimasse em não lhas devolver. São, em tudo, 23 000 euros, provindo, por um lado, da indemnização de um acidente rodoviário de que foi vítima em França e, por outro, de pequenas poupanças que foi pondo de lado ao longo dos anos. Foi pela televisão que a Rosa soube dos problemas do banco, mas a gestora em Portugal assegurou-lhe que as suas poupanças estavam no Banco bom e que seriam acautelados os seus interesses no caso de venda do banco. Todavia, a Rosa recebia com frequência telefonemas de um outro departamento do banco, informando-a que lhe iriam enviar documentos para assinar e, mesmo, que um funcionário do NB viria pessoalmente encontrar-se com ela em França.

Afirmando não querer assinar nada mas desconfiada com tanta insistência, a Rosa telefonou ao Consulado que a pôs em contacto com um lesado. Nessa altura, já os emigrantes lesados tinham criado o seu movimento e começado a constituir dossiês para os advogados intentarem acções judiciais. Lutadora como sempre foi, a Rosa seguiu o mesmo caminho. Não, não assinaria nada como já o tinha dito repetidas vezes aos funcionários do banco que lhe telefonavam, e a quem invocava o seu fraco grau de literacia, um 9° ano adquirido já na casa dos quarenta quando decidiu ir estudar à noite depois do trabalho. Não, a Rosa não assinaria nada, e nada a demoveria de tal resolução como não a demoveu a intimidação do funcionário do banco que substituiu a sua gestora de contas que entretanto se havia reformado: “Se a Senhora assinar poderá reaver alguma coisa, se não assinar vai gastar dinheiro a pagar os advogados e não vai reaver nada”.

Do alto dos seus 75 anos, e abaixo de mais de 40% do limiar da pobreza, a Rosa resiste: mau grado a solidão e as enfermidades. Mas como? E até quando? “Ele deve haver alguém lá em Portugal que possa fazer qualquer coisa, para que me seja dada a pensão dos vinte e seis anos que trabalhei sem ser declarada: o secretário de Estado das comunidades, por exemplo, diz ela.

Para poder comer com 600 euros por mês, depois de pagar uma renda de 130 euros [1] que lhe resta após o subsídio de alojamento num bairro social, os honorários dos advogados que se ocupam da partilha dos bens e da acção judicial contra o Novo Banco etc, a Rosa aluga uma parcela de quintal a alguns quilómetros de casa, que paga 30 euros por ano e onde vai – apesar da sua situação física –  com um pequeno carrito que adquiriu em segunda mão, cultivar alguns legumes. No seu congelador não há carne nem peixe. A Rosa só come legumes com grão-de-bico. Um dia sentiu uma grande necessidade de comer bacalhau. Comprou uma posta, por quatro euros e meio que dividiu em três. Parece que voltei para trás ao tempo de Salazar, diz ela. Em casa dos meus pais uma sardinha tinha de dar para dois.

Sim, mas não estamos no tempo de Salazar e a Rosa tinha depositados no Banco Espírito Santo vinte e três mil euros de economias.

Como a Rosa, milhares de emigrantes perderam as poupanças de vidas inteiras de trabalho e sacrifício, não sendo poucos os que se encontram hoje a viver abaixo do limiar da pobreza. Eis por que urge que o representante nomeado pelo Governo para mediar uma solução para os emigrantes lesados não tarde a sentar à mesa das negociações o Banco de Portugal e o Novo Banco. Seria inadmissível que, enganados pelo BES num primeiro tempo, e pelo Novo Banco num segundo, os emigrantes fossem enganados uma terceira vez pelo Governo de Portugal.

 Economista, lecciona economia portuguesa na Universidade de Paris IV – Sorbonne e é autarca na região de Paris. Membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda 

(a autora esclarece que não é lesada do BES e que não é nem nunca foi cliente desta instituição)

[1] A qual passou agora para 358 euros, na sequência da supressão do subsídio que lhe era atribuído

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