Operadores queixam-se que Marcelo promulgou diploma cheio de “incoerências”

Empresas de telecomunicações criticam um diploma que lhes vai sair caro e que dizem falhar no objectivo de proteger o consumidor.

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Empresas temem que nova lei favoreça aumento das reclamações MARIA JOãO GALA

Com a promulgação do diploma que veio introduzir alterações à Lei das Comunicações Electrónicas acabou-se “a esperança” de empresas como a Nos, Meo (PT) e Vodafone de que o Presidente da República (PR) promovesse a “rectificação” de um texto cheio de “incoerências e contradições insanáveis” e que representa “custos elevados” para o sector.

Como “a lei é susceptível de interpretações dúbias e incorrectas”, a Apritel “tem esperança de que o PR promova uma rectificação do texto do diploma que vá ao encontro da clarificação do mesmo”, disse ao PÚBLICO fonte oficial da associação que representa os operadores de telecomunicações, antes de ser conhecida a decisão do Presidente da República.

Marcelo Rebelo de Sousa, a quem o diploma tinha sido enviado pela Assembleia da República no dia 2 de Junho, promulgou-o na terça-feira à noite, sem qualquer outro reparo que não o desejo de “que o mesmo não venha provocar um aumento dos custos para a generalidade dos consumidores”. Ao PÚBLICO, a Apritel veio reconhecer, nesta quarta-feira, tudo ter feito “no sentido de alertar o legislador, nomeadamente o Presidente da República, para a necessidade de corrigir defeitos do texto legislativo”.

Em causa está o decreto que foi aprovado em Abril e que teve origem em propostas do Bloco de Esquerda e do PCP, para reduzir o período máximo de fidelização nos contratos de telecomunicações e limitar as compensações exigidas pelas empresas em caso de cessação antecipada dos contratos.

A versão final – cozinhada com os contributos de todos os partidos na comissão parlamentar de Economia – acabou por manter o período máximo de fidelização nos 24 meses, mas introduziu um novo prazo de seis meses, além dos 12 meses e das ofertas sem fidelização que já existiam. Também veda às empresas a possibilidade renovarem automaticamente os contratos ao fim dos dois anos.

Veio definir igualmente que os operadores deixam de poder cobrar aos clientes um valor equivalente à soma das mensalidades devidas até ao final do contrato quando este quiser rescindi-lo.

Ainda é cedo para avaliar o impacto do diploma nos preços para os consumidores de telecomunicações, mas as empresas estão certas que terão grandes despesas com as novas regras. “Tendo em conta a diversidade de ofertas de todos os operadores, estaremos a falar de custos extremamente elevados para o sector”, garantiu a associação que representa as empresas de telecomunicações.

Segundo a Apritel, as contas ainda não estão feitas, mas é “com as alterações ao nível dos sistemas informáticos e dos suportes publicitários” que as empresas contam ter mais dores de cabeça.

O PÚBLICO sabe que foram precisamente os custos com a alteração das campanhas publicitárias um dos motivos invocados pelos operadores para tentarem que a lei tivesse um regime transitório de seis meses. Com isso, entre a promulgação, o envio ao primeiro-ministro e a publicação em Diário da República, conseguiriam acomodar os materiais publicitários já existentes, sem necessidade de adequações à lei.

Uma das novidades do diploma é que as empresas serão obrigadas a incluir nos mesmos suportes em que publicitam a oferta com fidelização, a oferta sem fidelização. E devem ainda garantir aos consumidores a comparação entre ofertas com diferentes períodos de fidelização e incluir nos contratos informações sobre as vantagens que justificam a fidelização (o que pode incluir, por exemplo, a subsidiação de telemóveis, a instalação e activação do serviço ou outras condições promocionais).

As empresas também serão obrigadas a conservar as gravações das chamadas relacionadas com a celebração de contratos com fidelização durante toda a duração do contrato. Segundo a Apritel, as novas regras vão obrigar à “alteração de todos os contratos, suportes publicitários, sites da Internet e de sistemas informáticos”, pelo que as empresas vêm o regime transitório definido como totalmente “desajustado face ao volume e complexidade das alterações” exigidas.

A lei entrará em vigor um mês após publicação, mas as empresas terão 60 dias para alterar os contratos. Ao PÚBLICO, a Apritel garantiu que “os operadores vão desenvolver os melhores esforços para cumprir os exigentes prazos que decorrem da lei”.

Os prazos não são, contudo, a sua única fonte de descontentamento. Além das “normas pouco claras relativas, por exemplo, a deveres de informação”, a Apritel queixa-se de “normas redundantes, por exemplo, a respeito das regras de compensação por rescisão antecipada, que obrigarão a um esforço grande de esclarecimento dos consumidores”.

O diploma diz que os encargos dos consumidores com a rescisão em períodos de fidelização “não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório”. Adicionalmente, refere que os encargos com a rescisão “devem ser proporcionais à vantagem” que foi conferida ao consumidor e “identificada e quantificada no contrato celebrado”.

Trata-se de uma redacção que “em nada irá contribuir para a salvaguarda dos interesses dos consumidores”, queixa-se a Apritel (que no Parlamento defendeu que a definição das compensações deveria continuar na esfera das empresas), frisando que "a situação de incerteza não favorece a continuação do bom desempenho [do sector] em matéria de reclamações". Além da descida das reclamações registada em 2015, a associação garante que "a primeira análise" dos seus associados evidencia "a continuação de uma redução expressiva" no primeiro trimestre.

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