Esquerda admite melhorar a lei da gestação de substituição mas sem alterar substância

Nova discussão em plenário só poderá ser feita dentro de duas semanas. PCP avisa que as suas dúvidas sobre o diploma, que votou contra, vão além das do Presidente e do Conselho Nacional para a Ética.

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Veto de Marcelo leva esquerda a melhorar a lei da gestação de substituição Paulo Pimenta

Analisar é a palavra de ordem por estes dias no Bloco de Esquerda quando se fala de gestação de substituição, vulgarmente chamada de "barrigas de aluguer", mas sem que neste caso haja lugar a qualquer contrapartida ou pagamento. O partido está disponível para “clarificar alguns pontos da lei”, desde que “não desvirtuem aquilo que é a substância do projecto do Bloco e a lei aprovada em plenário”, disse esta quarta-feira o deputado Moisés Ferreira, reagindo à mensagem do Presidente da República  na sequência da não promulgação do diploma da gestação de substituição da autoria do BE.

O deputado bloquista não levanta o véu sobre até onde poderá ir: afirmou que o partido “não está disponível para alterar aquilo que é a substância e o corpo da lei”, mas sim para “a clarificar” para que possa “ser confirmada pelo Parlamento”.  Apesar das críticas do Presidente da República, que apontou situações concretas que gostaria de ver incluídas no diploma e que tinham sido já preconizadas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida (CNECV), o BE lembra que o processo demorou “meses e meses” de discussão e que o seu projecto “foi evoluindo com os contributos”.

Marcelo Rebelo de Sousa cita o CNECV para, por exemplo, realçar que não há garantias sobre os “termos da revogação do consentimento e suas consequências”, a “previsão de disposições contratuais para o caso da ocorrência de malformações ou deonças fetais e de eventual interrupção da gravidez”, nem a “não imposição de restrições de comportamentos à gestante”. E lembra até a existência de dúvidas por parte do PCP. O projecto bloquista foi aprovado com a ajuda do PS, PEV, PAN e 24 deputados do PSD. CDS, PCP, dois terços da bancada do PSD e dois deputados do PS votaram contra.

Moisés Ferreira recusou a crítica do Conselho Nacional de Ética de que “não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer”. “O direito da criança e o superior interesse da criança e dos nasciturnos é nascer numa família onde é desejada e onde é querida. Alguém que recorre a uma situação de gestação de substituição é alguém que deseja muito uma criança, que deseja muito ser mãe e o seu projecto de maternidade.” O deputado acrescentou que o superior interesse da criança “está mais do que acautelado porque nascer numa família onde se é muito desejado e querido é meio caminho andado para ter os seus interesses respeitados não só na hora em que nasce mas também durante o seu desenvolvimento”.

Para o PCP, que a 13 de Maio votou contra o diploma ao lado do CDS, de dois deputados do PS e de dois terços da bancada social-democrata, as dúvidas não se ficam apenas pelas indicadas pelo Presidente e pelo CNECV. Daí que João Oliveira recuse fazer qualquer previsão sobre uma eventual mudança de sentido de voto e avise que o voto contra do PCP “não surgiu no dia da votação” , antes decorreu dos meses de discussão.

Já o PS tem uma atitude mais pró-activa que o próprio Bloco. Reagindo à devolução do projecto de lei ao Parlamento, Carlos César mostra-se quase de mangas arregaçadas para pegar no diploma devolvido de Belém e melhorá-lo “para que alcance todas as suas finalidades e seja precaucionário no que necessita efectivamente de ser”. O líder da bancada socialista e presidente do partido lembrou que subscreveu uma declaração de voto onde identificava “reservas” ao diploma e criticava o facto de remeter para regulamentação a elaborar mais tarde ou até mesmo para os tribunais a resolução de alguns problemas que a própria lei deveria desde logo prever, como era o caso de uma eventual recusa da gestante entregar a criança.

O PSD que deu liberdade de voto aos seus deputados mas com a indicação de voto contra e acabou por ter 24 a votarem a favor do diploma, incluindo o presidente, Pedro Passos Coelho – adoptou agora a mesma atitude. O líder da bancada remeteu a análise da mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa para a “consciência individual de cada deputado”, que devem agora “atender às razões invocadas, ponderá-las e tomar uma decisão em conformidade”, limitou-se a dizer Luís Montenegro.

O CDS, que votou contra o diploma, “compreende o veto” do Chefe de Estado. A questão envolve “demasiados ‘se’”, vincou a deputada Isabel Galriça Neto, recusando taxativamente “experimentalismos” e defendendo o “superior interesse da criança”. Mas mesmo que o texto venha a consagrar as propostas do CNECV o partido liderado por Assunção Cristas não mudará o sentido de voto, recusando uma situação que “pode desembocar numa caixa de Pandora”.

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