Abandonado seis dias na floresta. E viver para contá-lo

Os pais de Yamato não podiam mais com a rebeldia do filho de sete anos. Decidiram castigá-lo, levaram um país ao desespero e puseram uma sociedade a discutir pedagogia.

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Yamato apareceu aos jornalistas bem- disposto Reuters

Receita para um pesadelo: uma floresta cheia de ursos, em que as temperaturas caem a pique durante a noite, onde não é seguro beber água e em que se podem passar dias sem ver outro ser humano. Agora olhe-se para este cenário como uma criança de sete anos que julga ter sido abandonada pelos pais. Não é filme de terror, é a história de Yamato Tanooka, uma criança japonesa que esteve seis dias perdida numa floresta e emocionou uma nação.

Esta terça-feira, Yamato saiu do hospital onde tinha dado entrada alguns dias antes com indícios de hipotermia e de desidratação. Apareceu sorridente ao lado dos pais, com um chapéu de basebol dos Hokkaido Nippon-Ham Fighters e uma bola feita de cartões com mensagens de apoio que recebeu enquanto estava internado. “Estou bem”, foram as suas palavras perante o batalhão de jornalistas e fotógrafos que o aguardava.

Recuando uma semana, o cenário não seria mais diferente para Yamato. Não havia chapéus de basebol, nem mensagens de apoio, nem fotografias. Nem os seus pais. Tudo o que tinha eram dois colchões para se abrigar à noite numa base militar desactivada que lhe serviu de abrigo.

Tudo começou a 28 de Maio, quando os seus pais resolveram aplicar-lhe um castigo do qual rapidamente se arrependeram: pararam o carro, obrigaram o filho a sair e aceleraram. O objectivo era “assustá-lo um pouco”, explicou mais tarde o pai. Yamato teria sido castigado por ter atirado pedras e paus aos carros que passavam. Voltaram ao local algum tempo depois – ainda é desconhecida a duração deste período em que Yamato ficou sozinho, com os pais a falarem em “alguns minutos” –, mas o rapaz de sete anos já não estava no local onde fora abandonado.

Quem já leu clássicos da literatura juvenil como A Ilha do Tesouro ou O Deus das Moscas sabe que há uma primeira reacção de euforia perante a liberdade total, sem escola, trabalhos de casa ou horas para dormir. A compreensão do perigo que rodeia os protagonistas vem numa fase posterior – quase sempre com um desfecho trágico.

Do que se sabe, Yamato não terá sentido grande entusiasmo com a perspectiva de ter uma floresta por explorar. De acordo com a polícia, o rapaz terá tentado perseguir o carro dos pais, mas enganou-se e acabou por sair da estrada e entrar na floresta. De tanto chorar, a criança acabou por perder o sentido de orientação. Andou durante cinco horas, segundo o jornal Mainichi, até encontrar uma base militar desactivada – a cerca de cinco quilómetros do sítio onde os pais o deixaram – onde pernoitou durante os seis dias que esteve desaparecido.

À polícia o rapaz disse que durante o dia saía do seu abrigo e regressava à noite para dormir, entre dois colchões para se proteger do frio. Durante os seis dias, Yamato não comeu nada e apenas bebeu água da torneira na base militar.

Em busca de Yamato

Os pais apercebiam-se entretanto do erro que tinham cometido. Num primeiro momento tentaram encontrar o filho, mas ao fim de algumas horas contactaram a polícia. Inicialmente disseram que Yamato tinha desaparecido enquanto procuravam frutos comestíveis. Ocultaram a verdade, explicou depois o pai, Takayuki, porque sentiram “vergonha” do que tinham feito. Por fim, acabaram por revelar o verdadeiro motivo por trás do desaparecimento do filho.

Estavam lançados o debate e uma operação de busca de grandes dimensões. Foram mobilizados mais de 180 agentes policiais, bombeiros e membros das Forças de Autodefesa (equivalente às Forças Armadas), cães farejadores e ainda um helicóptero para procurar um miúdo perdido numa área extensa e com vegetação muito densa.

As hipóteses de encontrar Yamato reduziam-se a cada hora que passava. A floresta de Nanae, no sul da ilha de Hokkaido, é tão remota que os habitantes da zona dizem que raramente lá vão. “A vegetação rasteira na floresta é composta por uma coisa chamada 'sasa'”, explicou à BBC o fundador de uma agência de turismo de aventura local, Roger Findlay. “É semelhante ao bambu, mas é bastante espesso e muito difícil de ultrapassar, portanto é muito diferente daquilo que outros países podem entender como floresta.”

Uma análise fria mostra também que as possibilidades de Yamato ter sobrevivido eram escassas. A criança, que tinha saído naquela manhã para um passeio com os pais, estava vestida apenas com uma T-shirt e uns calções, vestuário suficiente para suportar o calor e a humidade durante o dia. Mas ao anoitecer a temperatura cai rapidamente até aos 9 graus Celsius.

“Tem estado mais frio do que o normal nesta época do ano”, disse Findlay. “Tivemos neve no topo da montanha em Niseko, embora isso não tenha acontecido em Nanae, que é mais a sul. Mas para uma criança pequena que não tem muita gordura corporal, isso é um problema”, acrescentou o guia turístico.

Encontrar comida e água é outra missão praticamente impossível numa situação destas. Nesta altura do ano ainda não há uma grande quantidade de frutos e, mesmo havendo, os riscos são muitos. “É necessário conhecimento local para saber o que se deve comer de forma segura, porque há plantas venenosas a crescer também”, disse à BBC David Niehoff, responsável por outra empresa turística. As nascentes de água são consideradas seguras, mas há o perigo de conterem alguns parasitas, acrescenta.

O que poderia piorar a situação? Isso mesmo, ursos. A floresta de Nanae é uma zona cheia de ursos-pardos, que podem atingir dois metros de altura. Se forem surpreendidos, “podem tornar-se bastante hostis”, alerta Findlay.

No meio do seu desespero, e provavelmente sem o saber, Yamato acabou por tomar a decisão mais sábia ao manter-se abrigado na base militar. Apesar de não ter comida, a água da torneira era segura e manteve-o hidratado, ao mesmo tempo que os colchões lhe permitiram manter a temperatura corporal durante a noite. “Acho que não se pode fazer muito mais do que isto”, observa Niehoff. “É um grande milagre, na verdade, [ser encontrado] ao cabo de de seis dias.”

Pedagogia negativa?

O “milagre” chegou a uma sexta-feira – dia da semana de bom prenúncio para qualquer sobrevivente dos caprichos da vida selvagem. A base militar onde Yamato se abrigou já tinha sido alvo da operação de busca, mas acabou por ser um soldado que não esteve envolvido no resgate a encontrar a criança. Segundo os media locais, o rapaz apenas apresentava sinais de uma leve desidratação e feridas ligeiras num braço e nas pernas.

O anúncio do resgate de Yamato foi recebido com alegria em todo o Japão, acompanhado de um acto de contrição do pai, com direito a transmissão televisiva. Numa emocionada declaração, Takayuki curvou-se até ao chão, reconheceu que o castigo aplicado fora exagerado e pediu desculpas ao filho.

Enquanto as buscas se multiplicavam, o Japão debatia a atitude dos pais de Yamato. Nas televisões, especialistas em pedagogia crucificaram os pais, falando em negligência e abuso. Castigos como o aplicado a Yamato são vistos como pouco apropriados e há quem veja na sua dureza o resultado da pressão que os pais sentem para ter filhos exemplares. “Uma criança não é um cão ou gato, é necessário tratá-la como um ser humano individual”, afirmou a especialista Mitsuko Tateishi, citada pelo Christian Science Monitor.

Naoki Ogi, um apresentador televisivo conhecido como “Ogi-mama”, teceu fortes críticas aos pais de Yamato e aos pais japoneses que tendem a encarar as suas crianças como bens pessoais.

Mas também houve quem tentasse perceber os pais de uma criança pouco disciplinada. Nas redes sociais, muitos japoneses partilharam histórias da sua infância em que os pais aplicaram castigos semelhantes e a conclusão é a de que esses episódios ajudaram a educá-los. “Eu era uma criança agitada, indisciplinada e caprichosa, por isso lamento muito pelo pai que deixou o seu filho na floresta para o disciplinar. Espero que as pessoas deixem de o condenar”, escreveu o crítico literário Yumi Toyozaki, na sua conta de Twitter.

A polícia de Hokkaido decidiu não apresentar queixa contra os pais, mas remeteu o caso para um centro de protecção de menores que, depois de ouvir pais e filho, irá decidir se se tratou de uma situação de abuso psicológico.

Como em tudo, o debate deverá esmorecer dentro de pouco tempo e acabará por ser substituído por uma nova polémica. Quanto a Yamato, manifestou vontade de jogar basebol e até de voltar à escola. E o pai garante que foi perdoado.

 

 

 

 

 

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