Médico denunciou morte em praxe após "conversar com alguém" ligado ao caso

Clínico inquietou-se e fez telefonemas antes de alertar o Ministério Público. Suicidou-se, porém, meses depois e nunca foi ouvido pela PJ. Felícia Cabrita garante em tribunal que o médico terá recebido informação de "alguém relacionado com a morte de Diogo".

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A mãe de Diogo, Maria de Fátima Macedo, 62 anos, à saída do tribunal Fernando Veludo/NFACTOS

O médico do Hospital de S. João, no Porto, que lançou, em Outubro 2001, as suspeitas de crime no caso da morte de Diogo Macedo, na sequência de agressões numa praxe, terá conseguido recolher informações sobre o homicídio. “Fez telefonemas e terá falado com uma pessoa que terá conversado com alguém relacionado com a morte."

Quem o diz é Felícia Cabrita, que, em 2004, levou a cabo uma investigação jornalística ao caso depois publicada na revista Grande Reportagem e emitida na SIC. Ouvida como testemunha nesta segunda-feira pelo Tribunal da Maia, a autora da reportagem Morte na tuna salientou ter então falado com vários tunos e pessoas relacionadas com o caso, nomeadamente o director clínico do S. João, Luís da Cunha Ribeiro. Foi nesse hospital que Diogo morreu a 15 de Outubro, cerca de uma semana após ali ter dado entrada.

Depois, o médico António Guimarães janta com Luís da Cunha Ribeiro, mais tarde entrevistado pela jornalista. Os dois médicos conversam sobre o caso e Guimarães é arrebatado pelas dúvidas. Curioso, tenta descortinar o que sucedeu, qual detective. Faz telefonemas. “Terá ligado ao filho” — diz Felícia Cabrita —, que estaria ligado à vida universitária. Fica inquieto. Salta-lhe a dúvida: e se a morte está relacionada com a praxe?

Guimarães envia uma denúncia ao Ministério Público, que trava o funeral do jovem. A autópsia revela traumatismos e agressões na origem do homicídio. Guimarães suicida-se, porém, meses depois. A Polícia Judiciária nunca o interrogou. O processo-crime foi arquivado.

A mãe de Diogo, Maria de Fátima Macedo, senta-se agora no banco dos réus. Em 2014, em entrevistas a duas televisões e a um jornal, nomeou os “assassinos” do filho. Olavo Almeida, que chegou a ser arguido na investigação ao homicídio entretanto arquivada, apresentou queixa por difamação.

Autópsia revela traumatismos

“Algum dos tunos lhe disse então que o médico era maluco e que tinha um trauma de praxe?”, questiona Eduardo Magalhães, advogado de Olavo, na sessão desta segunda-feira. Felícia Cabrita trava-se. “Na tuna havia opiniões para tudo…” “Sabe por que é que o Diogo [que já estava no quarto ano de Arquitectura] ainda era praxado?”, insiste o advogado. “Para uns, ele era muito bom pandeireta, para outros não”, diz a jornalista.

Também Olavo foi então entrevistado por Felícia Cabrita. “O senhor Olavo Almeida estava bastante incomodado por ele [Diogo] não aparecer há cinco meses [na tuna]”, garante Felícia. Diogo disse aos pais que iria sair para resolver a sua vida na tuna e, quando chegou ao ensaio, foi obrigado a fazer séries de flexões. “Ele era tuninho, não era?” À questão do advogado, a jornalista dispara outra. “E isso serve para justificar o quê, senhor doutor?”

Em 2009, um juiz num processo cível condena a universidade e conclui que Diogo morreu vítima de agressões numa praxe. Lamentou ainda o “muro de silêncio” na tuna. O Supremo confirmou-o. A defesa de Olavo coloca em causa, porém, a conclusão, insistindo na morte por hemorragia cerebral. Apesar dos vários traumatismos relevados pela autópsia, não há relato anterior de os médicos terem observado mazelas no corpo. A mãe confirma só ter visto uma ferida num lábio.

Quando se “levantou a suspeita da morte não ser acidental”, foi “convocada uma reunião na tuna”, recorda Felícia Cabrita, que diz ter voltado a “investigar” o caso quando soube que Maria iria ser julgada: “O senhor Olavo diz-se prejudicado profissionalmente, mas as minhas fontes garantem-me que só em 2012 entregou uma declaração de rendimentos.” Olavo Almeida pede a Maria uma indemnização de 120 mil euros.

Hélder Robalo, autor de uma das entrevistas à mãe do aluno para o Diário de Notícias, também ouvido pelo tribunal, descreve-a como uma “mãe sofredora”. O que tem contra Olavo? “Ela acha que ele sabe mais do que aquilo que conta sobre aquela noite”, resume.

 

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